Até ontem a promessa cálida do sol
Alimentava sonhos e ninava medos
Chegou o outono, calendário em movimento
E meu pensamento repousa na paisagem
Cinzenta, como mágoa mal curada.

Mas sou dos que amam o cinza,
Íntimo das obscuridades repousantes
Onde o ímpeto dos dias arrefece
E a beleza da possibilidade oculta
É mais doce que a certeza desnuda.

Nestes dias de folhas mortas
Revive em mim a contemplação primeira
Da história não vivida dos meus sonhos
Todo prazer é passagem entre silêncios
Meu olhar procura em mim o que já se foi.

Queria despir-me como as árvores
Atirar ao chão, em outonal abandono,
As puídas vestes do meu ser mendigo.

Hoje o dia cinza chumbo desperta o som
Das fúrias que do alto dos rochedos
Clamam por um homem que seja natural


Não sei se ouço bem o chamado do tempo
eu, que desde muito perdi a hora
Fossem segundos de verão ou inverno.
No meio-termo do outono sobrevivo
Na caverna onde me reinvento e hiberno.