DIVERSOS POEMAS - 2
1. Quatro mãos.
Sinto as cores mais macias,
as dores mais tardias,
as idéias mais vadias.
Sinto os pés mais vigorosos,
os desejos mais teimosos,
os medos mais formigados.
Sinto os dias mais longos,
as noites mais fraternas,
os botes mais precisos,
os atalhos mais acertados.
Sinto o cheiro do futuro imantando tudo,
Sinto o gosto da conquista arrematando o sonho,
sinto o fardo da família emplumando cada vez mais.
Sinto que, cada vez mais, valeu a pena chegarmos até aqui,
sinto que, cada vez mais, valeu a pena a escolha feita,
sinto que, cada vez mais, valeu a pena a estrada percorrida,
com o nosso grande objetivo conquistado a quatro mãos.
5/FEV/07
2. Reluzindo.
Hoje acordei mais vivo,
Como se o mundo coubesse numa flor,
Como se o mundo fosse uma flor,
Como se o mundo se bastasse numa flor.
Hoje acordei mais avarandado,
Como se pudesse segurar o universo na ponta dos dedos.
E os medos estivessem banidos pra sempre de mim.
Para nunca mais olhar para trás,
Para nunca mais olhar para trás.
Hoje acordei bem mais moleque,
Rugindo, reluzindo, semeando pra todos os lados.
Só vendo cores, aromas e carinhos em tudo e todos,
Em tudo e todos. Em tudo e todos.
Hoje acordei mais aprumado,
Saltitando sobre portas fechadas e bocas caladas,
Salpicando meu suor nas faces rosadas da fé,
Atracando meu veleiro nos portos benditos da paixão,
Nos portos benditos da paixão.
Hoje acordei mais compartilhado,
Abraçando filhos que não fiz e nem conheço,
Afastando espinhos que surrupiavam minha alma
e deportavam meus sonhos.
Como se tudo fosse só o meu tudo e nada mais,
Como se tudo fosse só o meu tudo e nada mais.
20FEV08
3. Jangada.
Teus olhos são dentes de samurai,
Que embaralham meus braços, que esmigalham meus laços,
Que desarmam meus golpes mais moleques.
Teus olhos são comportas inundadas de fogo e luz,
Falam tudo sem dizer, domam o mundo com a saliva dos céus,
Entendem tudo com a sabedoria dos fetos e dos feitos.
Teus olhos são vulcões que destronam as geleiras,
Ermitões bêbados, entorpecidos, esquecidos,
Cardumes atônitos por um teco de ar,
Cardumes atônitos por um teco de ar.
Certo dia quis tentar me apoderar do que eles viam,
Quis tentar entrar neles sem pedir licença,
Sem bater continência.
E fui fundo nessa retina tão avessa, tão travessa, tão menina,
Fui fundo nessa dança de loucos, de poucos, de roucos,
Fui fundo nesse útero, arrancando cada vértebra com os dentes,
Com os dentes.
Então descobri que dentro deles não havia cais,
Também não tinham rebarbas, feridas ou atalhos,
Também não tinham farelos, remelas nem restos de paixão.
Dentro deles o amor estava retorcido como fera acuada,
Jangada que o mar arrebatou, fecundou e devolveu,
Gigante em que cabia tudo na sua mão,
Varanda que o tempo esculpiu, acalentou e nunca mais morreu.
Nunca mais morreu, nunca mais morreu.
22FEV08
4. Fronhas ocas.
Fui buscar você onde nem queria,
Nem sabia, nem devia, nem me via.
Nas frestas, nas festas, nas testas de alguém.
Nos soluços, nos engasgos, nos rasgos dos céus.
Cada vez que chegava perto, mas longe te sentia,
Gritava, abria meu peito, explodia meus gritos
Mulher.
Fui buscar você onde não podia,
Nas mesas de bar que nunca pousei,
Nas bocas tantas que nunca beijei,
Nas fronhas ocas que nem sei,
Que nem sei.
Mulher.
Fui de porto em porto, de mão em mão,
Você passava por mim feito zumbi, feito zumbi
Você passava por mim feito fruta já madura, caindo do pé,
Você passava por mim feito mofo que nem o tempo quer,
Nem o tempo quer.
Mulher.
De tanto buscar você acabei me perdendo de mim,
De tanto buscar você acabei me soltando de mim,
De tanto buscar você acabei me brotando de mim, enfim.
E assim
E só assim,
Me encontrei em mim.
E assim, só assim,
Me encontrei em ti.
Mulher.
23FEV08
5. Rédeas.
Quantas vezes, sabe lá quantas,
Não sabemos pra onde ir,
Nem tampouco com quem ir,
Ou, por vezes, por que ir.
Olhamos pros lados, só portas, fechadas
Olhamos pros caminhos, só atalhos enferrujados
Olhamos pros sonhos, pros alvos, cadê?
Viramos baratas tontas, bêbados de razão, solitários do mundo,
Órfãos das decisões, das palavras, dos sentidos.
Quem já viveu, qualquer vida que seja, conhece esse chão,
Já comeu desse prato, já vestiu essa luva, já navegou nessa dor.
Tudo se traduz em silêncio, tudo se reflete sem cor, gosto, sem passo à frente,
Nos cremos cada vez mais mudos, ocos, rasos, fracos, secos,
Jogados no lixo do mundo como restos de um banquete que não vingou.
Então a voz começa a parir ecos, o breu vai trocando seu manto por novos sabores.
Aquilo que não tinha jeito começa a dar sinais de vida, de revide, de amparo.
Os atônitos cegos já não reinam tanto assim,
As dúvidas que eram todas, passam a ser migalhas de pó,
Meras fagulhas de gelo que nada mais têm a dizer ou fecundar.
Paisagens de muro vão descortinando seus véus com calma,
O vento se encarrega de levar o que ficou, o que resistiu de partir de vez,
O que resistiu de sorrir de vez.
Então acordamos daquele porre infernal e vemos que o caminho estava lá.
Por teimar em não ver, nos blindamos com rédeas infinitas,
Por teimar em não crer, nos brindamos com fel, arpões e colos farpados
Por teimar em não ter, nos armamos de muralhas com as pedras do mundo,
Por teimar em não ser, choramos sós sem rumo, prumo, sumo num desafinado Carnaval.
Por teimar em não ser, choramos sós sem rumo, prumo, sumo num desafinado vendaval.
23FEV08
6. Cair no mundo.
Tenho tanta coisa pra te dizer, pra te ver, pra te ter,
Mostrar minhas caras, minhas amarras, meus porões, portões,
Abrir minhas comportas, minhas compotas, meus senões,
Contar tudo o que sei e o que não sei,
O que sei e o que não sei.
Tanta coisa pra caminhar juntos, abraçar juntos, afagar juntos,
Atalhos que teremos que descobrir rasgando as nossas mãos,
Vozes que iremos traduzir mesclando os nossos vãos.
Tanta coisa para conquistar, revistar, extirpar,
Tanta coisa para descamar, navegar, obturar,
Tanta coisa para esquecer, entender, renascer,
Tanta coisa para amparar, atracar, decantar.
As palavras ficam órfãs, os gestos se mostram roucos, poucos,
Nada mais é preciso, nada mais é recluso,
Nossas regras caem no chão numa gargalhada infernal,
Nossa paixão ergue sua espada gritando a vitória afinal.
Tanta coisa para conquistar, revistar, extirpar,
Tanta coisa para descamar, navegar, obturar,
Tanta coisa para esquecer, entender, renascer,
Tanta coisa para amparar, atracar, decantar.
Quero conhecer mais suas entranhas, suas manhas, artimanhas,
Quero conhecer mais suas armas, sarnas, atalhos,
Quero conhecer mais suas dores, cores, sabores,
Quero conhecer mais suas marcas, estacas, amores.
Então, num belo dia, vocês vão cair no mundo, acreditem.
Vão olhar pra trás e acenar pra esse velho arrebite,
E eu, na varanda que a vida me destinar,
estarei desfalcado do meu coração.
Porque ele estará batendo junto com o de vocês
pra todo o sempre.
Pra todo o sempre, amém.
Pros meus filhos, 25FEV
7. Voltas do mundo.
As voltas que o mundo dá,
São tantas, são santas,
Sacode o avesso, desnuda o senso,
Descama o certo, destrona o feito.
As voltas que o mundo dá,
Que a gente nem sente, nem pressente,
Acontece na curva do sonho,
Acontece num gole qualquer,
Acontece num aperto de mão,
Num pedaço de pão,
Numa melodia qualquer.
Tantas voltas que o mundo dá,
Quem diria, quem podia,
Como se Alguém que nem conhecemos bem,
Nos visse de onde o mistério se esconde,
E trouxesse o destino como a gente queria.
E quem teimasse em resistir
Fosse atirado pra nunca mais,
Pra nunca mais.
Essas voltas que o mundo dá,
Depois de tantos suores inundando os músculos,
Depois de tantos tombos, rombos, cabeçadas,
Tantos assombros, tantas enganos, idéias ciganadas,
Tantas noites em que o sono nem perto passou.
Que voltas que o mundo dá,
De repente vemos que é possível ser feliz,
Que é legítimo querer o que se quis,
Que é nosso o que a vida assim diz.
Que é nosso o que a vida assim diz.
26FEV08
8. A dor que dói mais.
Dor, que dor dói mais?
Será que é quando a tarde cai e estamos sem ninguém,
Será que é quando a verdade vai e só a mentira vem,
Será que é quando o chão vira água, vira fumaça,
Será que é quando a mão que afaga nos afoga?
Dor, que dor dói mais?
Será que é quando o canto do pássaro só desafina,
Será que é quando a voz se cala, fica rala, vira cortina,
Será que é quando o tempo não pára e nem dispara,
Será que é quando o frio se traduz em tudo e nunca se vai?
Dor, que dor dói mais?
Será que é quando a pele vira rugas, vira mofo,
Será que é quando o amor vira saudade, vira estorvo,
Será que é quando o filho que tivemos já não temos mais,
Será que é quando o caminho da frente se funde com o de trás?
Dor, que dor dói mais?
Será que é quando tudo em volta vira farpa, vira erva daninha,
Será que é quando viramos baratas-tontas, só ladainhas,
Será que é quando esquecemos o tempero, o cheiro, as papinhas,
Será que é quando apagamos as cores dos olhos, dos lábios e do coração?
A dor que dói mais não corrói o nosso peito, nem repousa no nosso leito,
Não mora em ninguém, nem nunca vai morar.
Nem nunca vai morar.
É aquela coisa que fingimos que deixamos longe, bem longe,
Feito monge que nunca saiu do mosteiro,
Feito paisagem escondendo o bicho rasteiro,
Feito algo que parece que não vale nada,
Que não incomoda, nem se acomoda.
A dor que dói mais é aquela que não conhecemos,
Por isso só tememos,
Por isso nunca vai parar de pulsar, de cravar suas garras,
De apertar cada vez mais suas amarras,
De vigorar cada vez mais suas senzalas.
Feito sombra, feito monstro que não sabemos de onde vem,
E que cada vez fica maior, fica pior, fica pior por certo,
Fica cada vez mais perto, mais perto.
E vai minar cada vez mais as raízes da nossa paixão,
As matrizes da nossa paixão,
Vai empestear cada vez mais as nossas fantasias, suores e rimas,
Vai destrilhar cada vez mais a nossa alma, com toda calma, sim
Nos deixando pra sempre atracados nas teias dessas ilusão, por fim
9. Sim e sim.
Quero te agradecer pelos meus dias,
Por abrir as portas do seu cantinho,
Por me deixar estancar suas feridas,
Por ser exatamente tudo o que eu mais queria.
Obrigado, mulher, por ser meu norte, meu lado mais forte,
Por me permitir respirar o ar que sai da sua boca,
Por mostrar pra mim que querer não é uma coisa louca,
Por provar pra mim que vencer não é uma voz rouca.
Obrigado, por apontar onde brota a água,
Por ligar minha luz quando tudo vira breu,
Por doar seu ombro quando tudo deixa de ser meu,
Por doar seu sonho quando tudo vira um adeus.
Obrigado, linda, por ter caído na minha vida feito anjo,
Por colocar o meu destino nas linhas da sua mão,
Por ter feito do seu olhar o guia dos meus passos,
Por permitir amarrar o meu peito nos seus braços.
Obrigado, sim, por tudo que tem feito brotar de mim,
Por ter germinado as minhas sementes mais fortes,
E que hoje nos enchem de alegria, de energia, de fé,
A razão maior de estarmos aqui, sim e sim.
Obrigado por me fazer entender o que vale a pena,
Por dividir comigo a sua mesa.
Deus estava muito feliz quando pousou em mim a sua alma,
E essa é a única coisa no mundo que tenho certeza.
Pra mim mulher, Quézia, 29FEV08
10. Néctar fatal.
Gosto, oh, como gosto,
Deixar os seus nervos pelando como gata no cio,
Castrar seus passos, minguar seus sonhos,
Fazer você se encharcar de tanto suar frio.
De tanto suar frio.
Gosto, oh, como gosto,
Mostrar pra você caminhos que não levam a nada,
Conduzir você de olhos vendados para o bote afinal,
Enganar suas defesas com a minha alma lavada,
Fazer você se afogar no meu néctar fatal.
No meu néctar fatal.
Gosto, oh, como gosto,
De atravessar mundos para acabar com a sua raça,
Armar uma teia pra arrasar o seu coração.
Flagrar o seu golpe mesmo que venha de sopetão,
Pra transformar você na mais deliciosa caça.
Na mais deliciosa caça.
Gosto, oh, como gosto,
No final dos tempos virar as regras da razão.
Descobrir que sempre uma saída poderá ter vez,
Até que um dia o seu rei vai beijar meu chão,
A vida vira mais vida nesse jogo de xadrez.
5MAR08
11. Cadê Maria.
Procurando Maria dobrei esquinas, encantei meninas,
Fui cavar onde o frio se esconde, onde o mar responde,
Raspei o tacho da saudade, tirei os véus da idade,
Pra não ver Maria nunca mais.
Procurando Maria voltei aos prantos de menino,
Descosturei minhas feridas, minhas bocas perdidas,
Coloquei de volta todas as minhas feras paridas,
Pra não ter Maria nunca mais.
Procurando Maria entornei meus suores, imagine,
Traduzi os poemas que ninguém quer nem ouvir,
Rasguei minhas peles, minhas taras, minhas amarras,
Pra não ser Maria nunca mais.
Procurando Maria descobri um porão sem fim,
E dentro dele acabei me encontrando assim,
Como se a Maria que toda vida teimava em achar,
Era a mesma Maria que sempre viveu dentro de mim.
6MAR08
12. Correnteza.
Queria entender o amor,
Dissecar suas entranhas, suas manhas,
Virar do avesso seus véus,
Descobrir quem faz a sua cor,
Conhecer quem manda nos seus céus.
Queria entender seus tantos passos,
Saber suas várias línguas e dialetos,
Traduzir com clareza suas bandeiras e medalhas,
Ser capaz de sentir mesmo quando chega perto.
Queria ouvir seus ecos e batidas do coração,
Poder tocar na sua face sem ele sentir,
Entender porque diz às vezes que não devemos ir,
Entender porque mostra sempre que nos perdemos a razão.
Queria deixar de ser presa fácil dessas garras,
Deixar de ser uma criança que não conhece o sim e o não,
Queria deixar de viver à mercê das suas amarras,
Queria deixar de ter tantas cicatrizes marcando meu chão.
Mas não adianta, é perda de tempo querer segurar o mar,
É perda de tempo querer contar as frutas desse pomar,
O amor vai sempre seguir o seu rumo confundindo a nossa certeza.
Pra gente acabar sempre sendo levando nessa louca correnteza.
Nessa louca correnteza.
8MAR08
13. Embranquecendo.
É gostoso enrugar as nossas crianças,
Ver cada pelo renascendo flocos de algodão,
Ver a vida recebendo o poente de braços abertos,
Ver as paisagens do rosto virando só lembranças,
Só lembranças.
É gostoso saber que valeu a pena cada chão pisado,
Que fomos capazes de encantar suores, de cruzar novos passos,
Que as horas não foram inimigas, nem fardos,
Que valeu a pena ter alinhavado tantos laços.
É gostoso entender que olhar pra trás não dói a nuca,
É gostoso perceber que o espelho agora sorri pra gente,
E que nos olha com respeito, carinho e orgulho,
E que não somos refugo e nem qualquer entulho.
Se cada dia ficamos mais outonos, coisas de Deus,
O tempo não discute suas leis nem junta as suas peças,
Esse vento não erra o pouso, o vigor agora tem outra cor,
Tem outro sentido, outro endereço, outra melodia para nos fazer dormir,
Que a gente vai escutando baixinho sem pressa,
Mesmo sem entender se todos os sons são meus.
São meus.
Até que vai chegar aquele dia, o belo dia,
Em que finalmente colocamos uma rédea no tempo,
Quando não precisamos mais ir para lugar nenhum,
Nem temos porque abrir os olhos ou fazer uma nova alegoria
Então finalmente vamos dormir sem sonhar sonho algum,
Sem sonhar sonho algum.
8MAR08
14. Asas da liberdade.
Vou pra onde quero sem pedir licença,
Faço o que quiser sem dar satisfação,
Meu reino é tudo o que você pensa,
Liberdade é coisa que nasceu do meu coração.
Se tenho fome, comida pego onde der,
Se tenho sono paro em qualquer canto e espero,
Se tenho pressa os ventos me ajudam a correr,
Se tenho frio o tempo traz pra mim o calor que quero.
Muitas vezes fico sem saber pra onde ir,
Então olho pras estrelas e o céu abre pra mim,
É como se o mundo todo decidisse me traduzir,
E então fico feliz de um jeito que não tem fim.
A solidão às vezes vem de mansinho e fica,
Começa a atormentar meu peito sem parar,
Dá vontade de morrer, dá vontade de tudo desligar,
Mas isso passa logo, esqueço rápido e tudo volta ao seu lugar.
O mundo é minha casa, o sol é minha asa, meu ovo,
As cores mudam pra mim a cada piscar de olhos,
Os sons ficam outros a cada segundo novo,
Por isso adoro viver e sou pra sempre muito feliz,
Muito feliz.
Um dia tudo isso vai me cansar, ai se vai,
Então vou arrematar meus dias voando pro lugar de onde vim,
E lá certamente não terei medo quando a noite cai,
E assim finalmente vou descansar enfim.
Assim.
9MAR08
15. Meu moleque.
Que saudade desse moleque
Que vive dentro de mim,
Não pensando no que sente ou diz.
Que saudade desse garoto,
Que vive dentro de quem
Olhando pro mundo sem culpa,
Fazendo as coisas do seu jeito,
Sem dividir isso com ninguém.
Saudade desse moleque, mesmo,
Que vive no meu endereço e nem conheço
Que sabe tudo de mim, até o meu preço
Que tem tudo de mim desde o berço.
Que sabe tudo de mim, até o meu preço
Que tem tudo de mim desde o berço.
Saudade desse cara que vai embora na manhã que quiser,
Que vai embora quando a vontade vier.
Mas um dia ele volta pra mim, volta sim,
Então sumimos no mundo,
Num gole, num colo quente qualquer.
Até nunca mais.
Até nunca mais.
10MAR08
16. Vôo rasante.
Gosto de te ver assim, gostosa, toda saborosa,
Atiçando meus suores do jeito que quer,
Oh mulher.
Gosto quando você vira rameira, vira vulgar,
Soltando besteira sem parar, sem parar,
Gemendo feito louca, esquecendo quem você é,
Caindo em vôo rasante até onde der,
Até onde der.
Gosto de fazer teu coração desembestar,
Você me apertando, entrando mais e mais, mais e mais,
Deixando meu fogo molhar essa gruta-aranha,
Deixando minha língua sugar todo esse cais.
Oh mulher.
Gosto de passar a mão em tudo que agora é meu,
Sentindo nas pontas dos dedos teus pelos, teus segredos,
Pra quando o gozo chegar pular em vôo cego,
Nesse mergulho sem dores nem medos.
E assim vamos entrando no outro sem pedir licença,
Vivendo alegorias untados nesse carnaval,
Descobrindo que é gostoso se amar feito bicho,
Descobrindo que o prazer é gostoso e ponto final.
Oh Mulher.
11MAR08
17. Pode crer.
De repente sinto uma força sem igual,
capaz de retorcer mundos, revirar o certo,
uma força descomunal,
algo que até dá medo de pensar,
dá medo até de chegar perto.
Uma energia brota de dentro, de fora,
envolve tudo e todos como toda calma
começa mansinha e fica do tamanho da alma,
começa filhinha e nunca mais embora.
Tem gente que vai dizer que isso não existe,
que é coisa que gente inventa toda hora,
que é coisa que sem importância, desiste,
que é coisa que não serve pra nada, cai fora!
Mas não é nada disso, meu irmão,
de fato virei gigante, posso esmigalhar tudo na mão,
sou capaz de atracar minhas carcaças em qualquer cais,
sou capaz de mandar tudo que não importa pra nunca mais.
Essa força brota dos poros feito infinitos vulcões,
sai de dentro de mim com a força dos embriões,
escorre pelos meus suores com a fúria da saudade,
arrebata meus passos na mais plena felicidade.
Nem sei o nome que isso tem, nem quero saber,
O que importa é que existe, e isso basta,
uma praga que cada vez mais se alastra,
uma luz que comprova que querer só pode ser poder,
pode crer.
19MAR08
18. Mágoas.
Queria falar da mágoa, se puder,
não aquela de todo dia, não
aquela que está longe da nossa razão,
quietinha, suave, dormente,
com todo jeito que nada quer.
De tão pequena nem damos bola,
fica jogada num canto qualquer,
pra gente fingir que não vê,
não sente, e nem crê.
Num belo dia ela se mexe,
a gente continua achando que é porcaria,
coisa de conto de fada, fantasia,
deixa pra lá, esquece, deixa pra outro dia.
Ela que passou toda a nossa vida se armando,
cavocando nossos furos, becos e cantos escuros,
sabendo onde erramos, onde roemos a corda,
onde desafinamos, onde blefamos.
Sabe como ninguém onde pecamos,
conhece nossos truques, nossos estoques,
conhece nossas ilhas e armadilhas,
as bruxas que nos fazem em pedaços.
E assim,
pra onde ela for, vamos trás,
vira o nosso fogo, o nosso gás,
alegria que um dia orvalhou, jamais.
E vai nos levando pra outra nascente,
o tempo não cessa de mandar seus guias,
os fios brancos vão povoando nossos dias,
as rugas vão carpindo a nossa pele,
e o fim fica cada vez mais rente, mais rente.
E aquele mágoa, que não valia um tostão,
vira o jogo que faz a terra tremer,
vira a fera que destrava o cabresto do furacão,
vira a espera que faz da vida a gente esquecer.
21MAR08
19. Dois vira um
Que sentimento que faz
dois virar um, me diz, vai, me diz
talvez seja a vontade de tocar,
mas isso passa, feito caça,
não cria limo, nem fumaça.
Que sentimento que faz,
dois virar um, vai, me diz,
talvez seja o desejo de semear,
mas isso logo vai embora,
e a vontade que era tanta,
se esmigalha até a hora da janta,
e a gente até esquece que um dia existiu,
viu?
Que sentimento que faz,
dois virar um, vai, me diz,
talvez seja o medo do escuro,
dar um grito sem ouvir o eco,
mas passa logo, nem deixa resto.
Que sentimento que faz,
dois virar um, vai, me diz,
talvez seja o tremor do embranquecer,
já que o tempo é senhor, tem poder,
mas isso não dura nada,
os dias correm mesmo em águas paradas.
O que faz mesmo, mesmo,
dois virar um é um mandamento,
que não está entre os 10, mas é ungüento,
a gente até despreza, parece cão sarnento,
o que faz dois virar um é uma coisa só
é o compartilhamento.
24MAR08
20. Novos ninhos.
Estranho esse negócio de filho
criatura que sai da gente num gozo
vai tomando seu rumo sem pressa
e de repente tem seu próprio brilho.
São nossos e do infinito,
na verdade não são de ninguém
não têm dono, nem tem cabresto,
e nunca saberemos pra que vem.
Tenho dois desses, ainda bem,
moleque e menina, meus queridos,
meus maiores tesouros paridos,
uma alegria que vai sempre além,
bem além.
Gosto de ver tomando forma,
virando homem, renascendo mulher,
mudando seu corpo, sua alma
ficando do jeito que a vida quer.
que a vida puder.
Um dia vocês vão cair no mundo, feito fadas,
começar a armar seu ninho, com quem?
e nós, felizes, vamos acenar de mãos dadas
sabendo que cumprimos a nossa sina, amém.
25MAR08
21. Larga disso.
Você precisa aprender a me amar,
entender como bebo na fonte,
descobrir como gosto de mergulhar,
descobrir o meu atalho, minha ponte.
Já avisei, menina, larga disso,
já cantei essa bola trilhão de vezes,
já falei que você pode dançar, sabia,
já falei que tudo pode melar um dia.
Chega dessa mania de só ver o que quer,
não enxergar o que está na ponta do nariz,
parar de só olhar pra dentro do seu peito,
Vendo as coisas só do seu jeito.
Assim a brincadeira fica sem graça, sem raça, cheia de traça,
o caminho a dois fica uma droga,
não dá vontade de dormir junto, nem sentir seu cheiro,
e nem escutar os passos do seu coração.
Já avisei, menina, larga disso,
já cantei essa bola trilhão de vezes,
já falei que você pode dançar, sabia,
já falei que tudo pode melar um dia.
Assim vou cada vez mais longe, viro monge,
faço só o que devo, esqueço o tempero gostoso que conheço bem,
assim a fonte que nos une vira pó,
deveríamos ser apenas um, mas viramos mais de cem.
Já avisei, menina, pra largar disso,
já cantei essa bola trilhão de vezes,
já falei que você pode dançar, sabia,
já falei que tudo pode melar um dia.
As coisas são assim, não adianta chiar,
as regras do jogo são claras, juro,
não queria fosse assim, no duro,
queria que tudo fosse gostoso, sem parar.
Já avisei, menina, pra largar disso,
já cantei essa bola trilhão de vezes,
já falei que você pode dançar, sabia,
já falei que tudo pode melar um dia.
Um dia...
26MAR08
22. Ombro amigo.
Um dia você se mandou de mim,
pegou suas malas, falas e foi sem fim,
nem lembro mais a última vez que te vi,
não teve tempo pra dizer adeus,
foi embora de um jeito que nunca entendi.
Aquele dia foi fogo, triste partida,
mas como tudo na vida, vira ferida,
o tempo é senhor, tudo cicatriza,
a gente até esquece do que mais precisa.
Você foi um grande amigo, sabia,
não tinha porta fechada, nem mal dia,
o teu ombro estava sempre pronto pra mim,
e eu mal sabia que tudo acabaria enfim.
Quem te levou não pediu licença,
nem quis saber se estava na minha hora, que pena,
mas essas coisas não são como a gente pensa,
e mostram como a nossa alma é pequena.
Hoje cada vez tenho menos saudade,
cada dia você fica mais longe, mais longe,
essa é a lei da vida, que posso fazer?
Não adianta lamentar, o caminho faz esquecer.
Mas hoje tudo isso acordou diferente,
aquele cara que estava tão longe, está do lado,
trouxe seu cheiro, seu brilho, seu abraço amado,
trouxe seu colo, seu carinho, seu corpo presente,
seu corpo presente.
Meus olhos ficaram chuvosos, como dói
nem sei esse sentimento pra onde vai, como corrói,
mas um dia os nossos caminhos vão de novo se achar,
obrigado por tudo que fez por mim, meu pai.
Dedicada a meu pai, Geraldo, uma grande saudade
27MAR08
23. Eu sei.
Não vai embora, amor, ainda é cedo,
pode parar essa partida,
o nosso tempo ainda não passou,
o nosso filme ainda nem começou,
e você já está de saída.
Fica mais um pouco, amor, fica,
lembra dos pratos que rachamos, lembra,
o cobertor que mal dava pra um, lembra
todo carinho que gente trocou sem pedir troco.
Espera mais um tantinho, espera, vai.
a água ainda jorrando, não vai secar já,
nossos poros ainda se acasalam, vai lá,
para com essa história de bye, bye.
Calma, amor, nem tudo está perdido,
você ainda é a dona do pedaço,
o coração está rouco, não ficou mudo
o que você mais gosta eu mesmo faço.
Mas se você quiser mesmo voar, tudo bem,
fiz a minha parte, pra quem?
Se quiser deixar o barco afundar, ok,
se não sabe ser feliz, eu sei.
28MAR08
24. Garfo, faca e colher.
A minha felicidade chegou fora do horário
entrou no meu sonho como figurante qualquer,
nem percebi que não fazia parte daquele cenário,
nem tampouco que trazia, garfo, faca e colher.
Veio sem fazer alarde, sem dizer nada,
começou ficando perdida nos quatro cantos,
porque estava suada, cansada, largada,
tinha nas costas as dores e calos, tantos.
A minha felicidade veio órfã e sem raízes,
trazia nas costas o fardo da vida,
conhecia os segredos das meretrizes,
sabia que depois da subida vinha a descida.
Logo que vi já reconheci,
não pelo seu jeito, nem pelo passo,
mas porque por ela muito pedi,
mesmo que todo meu sangue estivesse escasso.
Hoje vivemos juntos, cada um na sua,
fazemos parte do mesmo Carnaval.
quando um falta, o outro atua,
mas sempre ficamos juntos no final.
30MAR08
25. Escudo
Há uma ponte entre meu filho e mim,
é algo que não dá pra ver ou medir,
nem tampouco emendar ou partir,
é algo sem começo e nem fim.
Esse cordão pode ser chamado de coisa de pai,
a tradução de um sentimento que só sabe quem tem,
mas na verdade é bem mais que isso,
uma coisa que vai bem além, bem além.
Quando damos um abraço, a linha dá várias voltas na gente,
e fica nesse redemoinho até depois do infinito,
esse negócio até pode parecer esquisito,
mas é algo que só a gente sente.
O tempo vai passando, tudo muda a cada dia,
novas cores passam a ocupar o que queremos,
a lei da vida tem essa regra, essa valia,
os barcos mudam seus rumos com novos remos.
Pode ser que um dia ela precise de um nó,
porque alguma parte ficou mínima, quase sem nada,
como se o que era gigante virou pó,
já que faltou o ombro, a escada.
Então vamos pegar o pedacinho que ficar,
que de tão pequeno quase se perdeu no chão,
e juntar com ele de novo o nosso coração
e esperar o tempo que for certo pra poeira baixar.
Nessa hora tudo vai se renascer, se resgatar,
como se produzisse o seu próprio fogo, seu próprio ar,
e assim vamos formar novos fios do mais puro aço,
que a gente vai transformar num grande abraço.
Meu filho, é assim que vejo a gente, por certo,
uma coisa nossa, só nossa, maior que tudo,
sei que ela será sempre o nosso atalho secreto,
o nosso mais forte e eterno escudo.
Pro David, 5ABR08
26. Meu achado.
Como é gostoso ter uma filha,
criatura cheia de graça, encantos tantos,
jeito de mulher com o tempero de criança,
cheia de vida, energia linda como uma dança.
Adoro ver você se abrir pro mundo,
ser cúmplice dos seus passos e achados,
ver como você em tudo vai fundo,
cuidar dos seus tropeços e atalhos errados.
Cada dia fico mais encantado de um jeito sem fim,
fico bobo mesmo quando percebo seus dias passando,
enquanto cada vez coloco você mais dentro de mim,
adoro admirar que na verdade você está voando.
Cobrir você de noite é coisa que adoro fazer,
preparar a sua comida também me enche de gratidão,
a sua dor me faz ficar com vontade de morrer,
as suas conquistas me fazem virar campeão.
Filha, quero sempre estar do seu lado,
não importa o que vida armou pra gente,
você será sempre o meu grande achado,
uma criatura em que o amor estará sempre presente.
Pra Júlia 7ABR08
A minha casa.
A minha casa não tem asas, não tem disfarce,
não causa alarde nem inspira desejo vil,
minha casa tem a textura de um sonho,
um legado que vai perpetuar o pó da vida.
Minha casa é colorida, iluminada, linda,
cada canto tem um canto que é só meu,
cada tijolo foi aninhado com suores tantos,
cada areia foi semeada com as pétalas da paixão.
Na minha casa só entram queridos, abençoados,
seu sagrado chão foi ungido com o afago dos céus,
suas portas se abrem para quem vem do bem,
suas janelas se debruçam sobre os confins de Deus.
Nessa casa vamos cravar nossos mastros mais certeiros,
vamos abrigar nossos filhos de tudo que for adverso,
vamos atracar nossos braços para sempre, tomara,
vamos fincar até fecharem as cortinas do nosso show.
Na minha casa, pássaros e luares são benvindos,
seu cheiro é imantado de alecrim, aniz e erva-doce,
seus segredos iremos desnudar com o amadurecer dos dias,
seus medos iremos desmamar com o rufar da fé.
Nessa casa que tanto pedi, tantos calos cerzi para vir à vida,
nesse sonho que agora se faz rebento, se faz encanto,
agradeço aos céus por essa infinita alegria,
que agora iremos desfrutar, traduzir, decantar e honrar.
Amém.
27MAI08 -3:14h
A busca.
Estava catando os frangalhos que a vida salpicou em mim,
cada um deles com os seus mantos, prantos tantos, vícios,
cada um deles com seus recantos, santos,precipícios,
quando descobri que em pouco deles me vi.
Fui então à cata das minhas relvas,veias, veios, penugens e plumagens,
fui loucamente atrás daquilo que sempre repulsei ao mar,
fui em busca dos versos e avessos que da minha alma pouco untei
e pouco sei.
Descobri então que nada me pertencia, nada sabia, em nada me via,
ermitão de mim mesmo, era refém dos meus próprios senões e novelos,
era o que sobrava daquilo que não fiz, daquilo que não quis,
era o bagaço dos meus pensamentos mais mofados, mais ciganados.
Dessa forma foi que então encontrei o meu rio, o meu grande achado,
andarilho dessas letras e idéias, fui me recompondo folha sobre folha,
então percebi, enfim,
que tudo se fazia presente no dorso soturno das minhas infinitas questões.
13JUN08
Obrigado, amigo.
Quero lhe agradecer por ter cruzado o meu caminho,
como algo que não pediu licença, nem marcou hora,
e foi, camada por camada, destravando meus becos,
como se soubesse da antemão o roteiro,
como se tivesse de antemão o desígnio.
Quero lhe agradecer por ter estendido a mão,
e aberto portas que outrora estariam lacradas, e até distantes.
e ter mostrado que o justo, o certo, e o limpo são possíveis,
são tangíveis e são, sobretudo, necessários.
Quero lhe agradecer por estarmos juntos neste momento,
que está sendo único na minha vida,
e que está se mostrando com vigor único,
coisa que sempre fez parte dos meus sonhos,
e que nunca tinha passado de um mero sonho, acredite.
Quero lhe agradecer pelo quanto ainda temos pela frente,
pelas arestas que iremos decepar, pelas carcaças que iremos jogar pra longe,
e, por certo, pelos frutos que iremos saborear juntos nesta coisa maluca que chamamos de vida.
Que Deus o conserve assim pra todo o sempre.
7/02/09