Profissão da Lagarta
É necessário escrever. Mesmo que esteja sem palavras, pasmo, broxa, sem vontade, sem braço. Dizer que se está pasmo de indignação, desanimado por excesso de sabedoria, falar da depressão de todo guerreiro. É necessário ser mais do que se pode ser, ser tudo que se pode ser. É necessário se dar completamente para se fazer arte. É inadiável ultrapassar as barreiras. É necessário escrever, é necessário se matar por uma grande piada, é necessário ser a grande piada, a grande antítese. É necessário dizer o que precisa ser dito. É preciso que seja exato, que seja preciso, super preciso. É necessário, e nada mais é necessário. A única verdade, incontestável verdade. Deve se escrever, escrever a si, e deve se dizer tudo, é urgente reforçar, ser exato, não esquecer os detalhes, não deixar que te esqueçam. E é necessário dizer tudo aquilo que ninguém quer ouvir. Tudo aquilo que todos sabem e tudo aquilo que ninguém nunca imaginou. É um dever falar dos alienígenas escondidos, denunciar os becos onde eles moram, os óculos que eles usam, as suas barbas mal feitas, os seus vícios, seus lábios macios, suas pernas salientes, seus dedos viscosos, seus olhos rápidos, seus dentes quentes, e não esquecer se do desejo alienígena por sangue. É obrigatório mostrar o fedor da plebe, a ganância dos limpos. É preciso ser sério e honesto. Falar de Deus, de sua falta, de sua completa e total falta no mundo, de sua exuberante, gigantesca e absurda não-presença. É essencial escrever, é indispensável dizer algo, indispensável ser torcido em palavras, chorar letras e suar poesia.