As estimas de antonho
Ali alçado ao cruzamento
Das ruas vazias que se encontravam,
Sereno olhava o solo cinzento
Quanto ás pedras que lhe arfavam.
Um vento seco e rasteiro,
Que só às folhas levantava,
E fugia sorrateiro,
Pelas sombras que bifurcava.
Não houvesse quem lhe conhecesse
E explicar-lhe sua intuição
Ingênuo estava do que lhe acometesse
Delirante demais, para saber-se ilusão.
Há horas o Sol lhe acompanhava
Ali lançado, em espelhos quebrados,
Pelo fundo da lente que se embaçava
Pelos vidros das casas, refratados;
Só um ponto a luz não lhe alcançava:
Nos secos sonhos à noite delineados.
Aquela constância tomou-lhe a essência
E viciou-lhe os olhos, afundados,
Presos agora á deficiência
Dos átonos versos, inalterados...
As ilusões que lhe guiavam
De vôo partiram há tão distante,
E só lacunas delas ficaram
Nas lembranças do pensador amante.
Longos dias se passaram,
Talvez segundos para seu sonho,
Mas as máquinas enferrujaram
As de ora, as estimas não são de antonho.
Seus pés se enrugaram
E a alma vê-se em barro, esmorecer
Seus braços se encurtaram
E seu acolho incapaz de o defender,
Da vida que seus anseios já deixaram
Da morte que seu corpo busca conhecer.
Impotente ante si mesmo,
Devorado á realidade,
Lá sobre o alpendre, mira ermo
Quão funda a rua, tal sua âmaga verdade.
Um impulso das mãos marcadas
Com o fado de um dia despedir-se,
Lhe dá as forças, as únicas encontradas
A rumar ao fim de tudo quanto disse.
E esmagado ante o punho de firmeza
Se cobre agora com as roupas que herdou,
Uma túnica preta, e sutileza
Além da nua face que se estampou,
E ali, jogado, ao enterro de sua incerteza,
Não vê a sombra que lhe observou:
A noite, não mais acesa
Ou no ponteiro, uma hora que a mais passou...