NOTÍCIAS DO BRASIL
TUDO
Tudo são mãos pedintes do farol
Crianças caídas nas calçadas clamando saídas pra suas vidas perdidas
Tudo são ruelas tristes e escuras
Gente simples na favela fazendo força para que a vida ali floresça
Tudo são crianças abandonadas
nos apartamentos com seu videogames em solitárias batalhas
Tudo são famílias em discórdia
em guerras internas neuróticas e fartas discórdias
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POESIA
1.
Poesia é assim, quase nada.
Nasce da vontade e da contrariedade
da expressão e da supressão
Poesia é gesto,
ação sem medidas,
enquadramento da vida entre quatro paredes-palavras.
Poesia é singular,
pessoal,
coletiva,
popular.
2.
Jackson fez poesia com pandeiro,
Paulinho com a viola,
Cartola com a Mangueira,
Tom Jobim com harmonia,
Pelé com bola...
e o mundo conheceu o Brasil
preto, moderno, de ontem, de agora.
Nelson fez poesia com cavaquinho,
Tom Zé com ironia,
Noel e Martinho com a Vila Isabel,
João Gilberto, voz e banquinho,
cantou Caymmy e a Bahia
e o mundo ouviu e bateu palma
pros sons que daqui vinham.
Adoniran fez paulista a poesia,
Drummond ecoou das gerais,
Gonzaga cantou o sertão,
Patativa tirou versos do chão,
Gullar, poeta audaz,
nos revelou o Maranhão
e o Brasil conheceu sua voz
cidade, mar e sertão
Manuel hasteou a bandeira
da poesia e da paixão.
Mário e Oswald’Andrade
botaram versos novos
no seio da hospitaleira cidade
e São Paulo se revelou
ponta de lança da modernidade.
26.08.99
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FALANDO DE DIREITOS
Vamos falar de direito!
Palavra que abre espaço
e corta arreios;
que dá voz, que dá vez,
clareia os becos.
e a tez negra da desesperança atroz.
Falar de direitos implica
em falar sobre coisas certas, retas,
em justiça e alegria,
em melhor viver.
Falar de direitos significa
poder bem respirar,
beber, comer e dormir em paz.
Ter liberdade de discordar, discutir,
e ser igual perante a lei.
Direito é ter um canto,
um remanso
pra poder descansar;
ter a labuta certa e o salário justo.
Falar de diretos significa também
proteger o espoliado,
punir o injusto que lhe toma o suor
e maltrata-lhe a alma.
É resgatar esperanças,
não ficar mudo,
expor o que pensa, o que sente,
é proteger a criança,
não excluir raças,
garantir a todos
escola, saúde....
Falar de direitos, enfim,
é expor tantas coisas em falta.
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IMPERFEIÇÕES
Nenhuma guerra é necessária.
É só fracasso, fiasco
das relações sociais.
É só desejo e gana
de almas vis assassinas.
Nenhum tirano é necessário.
É só fracasso da educação,
das relações paternais.
É só ódio e auto-suficiência
em almas belicistas.
Nenhuma ditadura é sã.
É só vil distorção
do conceito de poder.
É usurpação do bem comum
em proveito único.
Nenhuma riqueza é verdadeira.
É só transferência
do que é de todos.
É só maquinação, usurpação
do trabalho alheio.
Nenhuma miséria se justifica
é sempre escravidão.
subserviência, podridão.
É domínio do forte
sobre o menos potente.
Nenhuma prisão é precisa.
É só fracasso, fiasco
do governo e sociedade.
É ausência de educação
Amor ao próximo e má divisão.
Nenhum crime é justo.
É só descontrole,
inveja e vingança
ausência de piedade.
Pura maldade humana.
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MEUS PÉS
Quem sabe dos meus pés
são meus sapatos rotos
e minhas meias furadas.
Quem sabe o caminho
são minhas pernas cansadas
e a própria estrada.
Não ouço papo de aranha.
Ninguém indica o bom.
Quem sabe o esconde pra si.
Ninguém fará por mim.
Quem tentou fracassou,
quis voar com minhas asas.
Ninguém decide por todos.
Não delego a minha parte.
Erro sozinho e em paz.
Ninguém leva meu voto
pra soberano, mandatário.
Sou eu meu próprio rei.
Tenho dito e acredito:
Sou minha própria diretriz.
Pés do chão e deus no alto.
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BRASIL
Não me canso de dizer:
aqui é o meu lugar
Não me canso de falar
aqui eu quero ficar.
Não sei o que dizer,
mas aqui é onde me nutro,
onde tudo me é vital.
Meu sangue, meu fluxo
Miséria e luxo.
Brasil, raquítico e bravo
Depauperado, marginal.
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CANÇÃO DA PROSPERIDADE
Vamos cantar a canção da prosperidade!
A felicidade não pode esperar,
o futuro é já, o momento é agora.
Os sem teto, sem abrigo, os sem nome.
Os que ficaram no chão do caminho
Levantam-se todos! É imperativo gritar
Você que está ai atrás, venha à frente,*
junte-se a nós. Vamos cantar
Para os conformistas a conformação
para os que gostam: submissão
Para os de espírito crítico arrisco dizer:
É isso irmãos, juntem seus gritos,
despertem, lutem por si mesmos.
Você que está ai, alheio e quieto,
se toque, junte-se ao coro e cante.
Está tudo muito certo, sonolento.
O que há? Será que só eu me inquieto.
Para quem só se cala me oferto
Lhe dou o clamor bárbaro, o orgulho,
um peito aflito, a garganta e o grito.
Vamos cantar em uníssono, num rito,
a felicidade, a canção da prosperidade.
Vamos falar de novas proposições*
novas idéias, versos e novas canções
e que nelas as crianças aprendam cedo
a não esperar o futuro prometido,
querê-lo agora, sem medo, é um direito.
é brandir já a vontade de renovação.
Vamos, juntos, cantar a felicidade
para todos como nossa única razão
Que dê um passo a frente os de trás*,
os que tiveram seus sonhos mais queridos
sufocados, atados a vontades alheias.
Um passo a frente os ceifados em vida,
aqueles que a cidade negou guarida,
Vamos cantar a canção da prosperidade.
A felicidade não pode esperar.
* As referências grifadas do texto são literais do poeta norte-americano Walt Whitman e o presente texto foi propositadamente inspirado na poesia "Reversais", do mesmo autor.
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VIVO E ATENTO
O inimigo ataca. Está atento e forte.
Lança e fere, trama e mata.
Divide os homens e recolhe o lucro,
o fruto, a grana.
São tramas dos carapálidas,
suas manhas e mutretas.
Confira!
Tudo o que respira conspira*.
O poeta ensina a tentar de novo.
Gerar o novo.
É preciso sair do laço, do alvo,
tirar a morte do encalço,
sepultar os mortos que rodeiam
não podemos ser reféns da morte*.
A política canalha continua atenta,
atuante.
Ela rouba, engana, aponta, apronta,
distorce...
Está impregnada de morte
Ela amarra o povo ao poste,
atrasa a nação.
Impede o país de ser forte.
Falseia, avilta, distorce,
e ajusta tudo aos seus interesses vis.
É preciso ir além do cercado.
Romper o pelourinho, derrubar o trono,
destituir castas, burgos...
Ir acima deste vale de almas penadas.
Respirar fora do teto baixo das imposições,
restrições, preceitos e leis
que impedem o povo de brilhar
e ser mais que lombo de chibata, açoite.
Ah! E os preconceitos. Sim!
É tempo de destruí-lo todos.
Romper o cerco, armadilhas, amarras.
Sair da caverna.
Despertar. Estar vivo e atento,
não dar folga à morte.
Fincar a cunha em qualquer nesga de luz,
e rasgar as trevas.
Romper regras que negam igualdade
que restringem direitos
que impedem ações e adiam conquistas.
* referências assinaladas do texto são de Torquato Neto.
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ZÉS
céu azul anil brasil puta que pariu
país de putos e tarados por dinheiro fácil
aqui não se planta, se colhe e se molha a mão do próximo
seu dócil povo gentil que se acredita frágil fraco
pacifico calado abandonado depauperado
mas poderia valente e forte ser agente do próprio braço
do brasil tudo se levou ainda levam
ouro alma minério
agem certos soltos e seguros de que somos
um povo tonto torto mestiço mulato amalgama extrato humano de gente paria.
que nada reclama e só clama por sol bunda e carnaval
céu azul anil brasil puta que pariu
país de zés manés migués qualé?
putos e tarados por dinheiro fácil
aqui só se dança se passa a mão
levam tudo numa boa
que zorra meu!
país fácil frágil vendido barato doado levado
de povo dócil gentil que se acredita frágil fraco
mas poderia valente e forte ser diferente
resistente
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A HISTÓRIA NO TEMPO
Caminho no tempo
à margem dos castelos,
e imponentes catedrais.
Vejo nas calçadas
Cristo pedindo pão,
maltrapilho. Pés no chão,
e a Igreja aliada aos reis
retendo riquezas,
fazendo fogueiras,
caçando demônios,
atrasando a história.
Sigo à margem dos governos,
driblando intolerância
de despóticos cardeais;
pisando em sangue escravo;
vendo leis de reis
produzirem cadáveres;
ditadores inumanos
imporem sistemas opressivos,
repressivos governos,
atrocidades nazi-fascistas.
e guerras fratricidas.
Sou só pele, osso e resistência.
Trago no corpo
lembranças da inquisição,
vergões no lombo,
no ombro marcas de torturas,
duras lições
de sórdidas ditaduras.
Balas e feridas mal curadas
de duas guerras imundas,
oriundas de divisões coloniais.
Sobrevivente do escuro,
viajo num novo tempo,
onde a ciência predomina
e a igreja, em outro empenho,
expia o passado,
pedindo perdão pelo pecados
dantes praticados,
enquanto ricos governos,
ditos democráticos,
dão a nova ordem mundial,
dividindo o planeta
em primeiro, segundo, terceiro
e quarto mundos,
criando novas diásporas,
chagas que se alastram
Áfricasiamérica.
O novo mundo das misérias
da nova e moderna idade média.
Caminho no presente
e a fuligem me exaspera.
Vejo hordas aglomeradas
nas encostas, baixadas, mangues
e áreas de risco.
Fortes imagens babilônicas:
Todo hora uma intriga, um crime.
Miséria e esbórnia.
Guerras não declaradas.
Guerras fratricidas.
Guerras religiosas...
Corrupção é o novo mal
que corrói e joga a ética na merda
no lixo da história e
nações à margem
da tecnológica idade.
Vejo claro e evidente,
passado e presente se ligam
em virtuais pontes despóticas
pela ótica dos desmandos
séculos que se anelam
e subjugam a esperança.
Mais que templos, prédios, pontes...
O mundo clama horizontes,
novas idéias e ideais,
terra, plantio, comida, felicidade,
tecnologia leve, com humanidade...
Íntegros planos e práticas de bondade.
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SOMOS POVO
1.
Se somos alegres é porque bebemos carnavais
e frevos e maracatus e sambas e axés.
Se somos tristes é porque amanhecemos chuvosos
quartas-feiras de cinza e procissões e aflições
Se somos negros é porque tragamos áfricas
e dançamos mágoas e gritos, senzalas e açoites
Se somos índios é porque abraçamos liberdade
e caímos na mata e viramos onças e bichos
Se somos brasileiros é porque nos enfiaram povos
degredados, aventureiros e naus desesperadas
Se somos cidadãos é porque nos impuseram estrada
nos expulsaram sertão e plantaram cercas e secaram as águas
Se ainda não somos povo é porque não conquistamos escola
comida, terra, liberdade, igualdade, prosperidade, união
2.
Sou índio porque vivi liberdade,
abracei mata, bichos, águas claras
e fui onça solta, sagaz.
Sou Portugal porque me trouxeram saudade,
me deixaram náufragos, degredados, aventureiros,
me aportaram naus e navegantes.
Sou negro porque bebi áfricas,
dancei mágoas, gritos, açoites, senzalas...
porque fiz do arreio revoltas.
Sou brasileiro porque me enfiaram povos,
misturaram gente, mataram os natos
escravizaram negros, humilharam pobres.
Sou triste
porque me impuseram armas
me sacaram terras, me levaram ouro.
Sou alegre
porque engoli batuques
e vomitei e frevos, maracatus, sambas e axés.
Sou urbano porque
me empurram estrada, me expulsaram o sertão,
plantaram cercas, secaram águas.
Se ainda não sou povo
porque faltou escola
terra, igualdade, prosperidade, união.
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NO DESVIO
Paulo Piolho dançou bonito,
fizeram peneira do seu corpo,
estancaram a fúria do moleque
crescido no morro, solto.
Anjo torto, 38 na cintura,
dedo no gatilho, sem erro,
nas desavenças era sempre o primeiro.
Chegado de todos e temido,
na favela tinha guarida
quando aparecia intriga.
Os barracos se abriam
quando pintava sujeira.
Quando a polícia o perseguia.
ninguém falava, nada viam.
Sua estima não era gratuita,
crescido nos braços da favela
a ela retribuía, do seu jeito.
Certo dia veja o que fez:
um carro de coca-cola desviou
e toda a carga distribuiu.
Foi farra como nunca se viu.
Deu dinheiro pra batizado.
Dos capoeiras era o patrono
e até investiu na comunidade
quando a chuva arrasou,
e tudo virou calamidade.
Paulo Piolho era assim:
o dono do pedaço.
Ninguém punha a cara,
pois sabiam da sua capacidade
com arma em punho,
sua fama corria a cidade.
Jogado desde cedo na vida
cresceu no desvio,
conheceu o inferno de perto,
iniciou roubando na feira,
e logo, nas quebradas da vida,
foi apresentado ao diabo.
Não lastimou nada,
foi à luta, revoltado.
Cresceu destemido, marcado
destino iguais a outros iguais.
No morro só dava ele,
a pivetada dava toque
era feito Charles, Anjo 45,
da música do Benjor,
mas seu dia já tava contado,
foi cercado, crivado de bala
por mais de 50 soldados.
Foi desta pra pior,
Mas deixou herdeiro pra todo lado,
pois tudo ali ainda é igual:
Falta instrução, atenção – governo,
cultura e trabalho.
A escola continua na rua montada,
com aula prática todo dia,
Não tem jeito
é destino Brasil,
pr’aqueles que nasceram,
cresceram e como Paulo Piolho
morreram no desvio.
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DÉCADA DE 70
A multidão foi atacada a cavalo e cassetete.
Uma mulher caiu e foi espancada.
Dos prédios, uma multidão atônita aplaudia e vaiava.
Era S. Paulo, Praça da Sé.
Eu estava lá.
Era só um estudante achando que o Brasil tinha concerto.
Logo vieram bombas de gás,
ecoaram-se tiros, gritos aflitos,
e a igreja da Sé logo abriu sua porta.
Eu era pouco mais que uma criança e corria da polícia pelas ruas do Centro.
Escapei pela Conselheiro Furtado
em direção à Liberdade
com dois outros jovens lado a lado.
Fazíamos história com nossas pernas, bocas, medos, coragem.
Dizíamos basta à ditadura militar correndo dos cavalos da PM.
Eu vi! Eu estava lá fazendo história
Escrevendo Direito
Querendo respeito...
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ELA
Quando roubaram sua guitarra
foi como se levassem também a sua alma,
rasgassem sua pele,
cortassem suas mãos.
Ela era amada como a namorada,
como aquela flor querida no jardim,
que lhe aliviava só por vê-la tão perto.
Se se sentia só, se estava só,
era em quem tocava de leve.
Se estava feliz ou triste,
alegre com o mundo ou avesso a tudo,
ela estava sempre ali, companheira.
Antes de tê-la comprado, às duras penas,
em dez vezes, quase o mês de trabalho,
era ele a própria desilusão.
Rancoroso e amedrontado com o mundo,
se escondia e não sabia traduzir a dor.
Algo lhe roia,
era como se tivesse perdido uma pessoa querida.
A guitarra lhe trouxe vida,
ajudou-lhe a tirar a angústia
e espantar a solidão.
Quando roubaram a sua guitarra
ele ficou de novo mudo,
roubaram seu mundo, sua alma.
Hoje ele tem outra guitarra
e faz das suas tristezas música
para alegrar a todos,
devolve em harmonias o que sofreu
e quem o vê sorrir
não sabe de onde vem a alegria,
a suavidade e a consonância da sua música
É nela, na sua guitarra,
que ele encontra reconforto e consolo.
Ela lhe entende e traduz
em som as pedras que carregou,
os caminhos que trilhou.
Inspirado em história real do músico BB King
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JUNTE-SE A NÓS
Vamos cantar a canção da prosperidade!
A felicidade não pode esperar,
o futuro é já, o momento é agora.
Os sem teto, sem abrigo, os sem nome.
Os que ficaram no chão do caminho
Levantam-se todos! É imperativo gritar*
Você que está ai atrás, venha à frente,
junte-se a nós. Vamos cantar
Para os conformistas a conformação
para os que gostam: submissão
Para os de espírito crítico arrisco dizer:
É isso irmãos, juntem seus gritos,
despertem, lutem por si mesmos.
Você que está ai, alheio e quieto,
se toque, junte-se ao coro e cante.
Está tudo muito certo, sonolento.
O que há? Será que só eu me inquieto.
Para quem só se cala me oferto
Lhe dou o clamor bárbaro, o orgulho,
um peito aflito, a garganta e o grito.
Vamos cantar em uníssono, num rito,
a felicidade, a canção da prosperidade.
Vamos falar de novas preposições
novas idéias, versos e novas canções
e que nelas as crianças aprendam cedo
a não esperar o futuro prometido,
querê-lo agora, sem medo, é um direito.
é brandir já a vontade de renovação.
Vamos, juntos, cantar a felicidade
para todos como nossa única razão
Que dê um passo a frente os de trás,
os que tiveram seus sonhos mais queridos
sufocados, atados a vontades alheias.
Um passo a frente os ceifados em vida,
aqueles que a cidade negou guarida,
Vamos cantar a canção da prosperidade.
A felicidade não pode esperar.
*Referência: poeta norte-americano Walt Whitman
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TOQUE DE RECOLHER
Há vida no planeta Terra.
Ordens, ondas, mares, marés,
células, bichos, matas e mortes.
Estranhas formas,
estranhos seres,
entre eles a feroz forma
de orgulhosa postura,
que a tudo retém, destrói.
Rói o solo, o subsolo com unhas e máquinas,
dentes e garras.
Tudo o que lhe cai às mãos se transforma.
Vira grana.
Há destinos traçados,
blasfêmias lançadas,
pudores e horrores
entre os doutores desta terra.
Pratos e panças cheias.
Tantos com pouco,
rostos rotos, restos,
réstias de luz.
Há ganas, garras afiadas.
navalhas, armas pesadas
varrendo ruas.
Lâminas e gargantas com sede.
Feras presas.
Há domínios, delírios,
sistemas armados
e sonhos domados.
Há vigilantes e sirenes,
gritos na noite vadia.
Tiros, periferia, chacinas,
facínoras,
gangues, guetos. É guerra
na terra de ninguém.
Estar forte e atento é tempo
pra não sucumbir nesse veneno.
Toque de recolher.
Tempo de resistir.
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TESES VIVAS
A cidade cresce em muros e prédios,
subtraindo árvores e ares.
As casas encerram seus habitantes
em paredes e grades “protetoras”
e na escola o aluno aprende a lição:
A geometria restritiva
e a matemática da fome consentida.
A sociologia da rua continua precisa
e providencia teses vivas.
Nos baixos do viaduto
a madrugada fria ensina na pele
a metereologia que não falha.
A cidade cresce em diferenças
e desgraças se multiplicam.
A arquitetura das favelas
ensina a lição da sobrevivência.
Moleques da Febem e presidiários do Carandiru
destroem teses racistas
de que o negro é criminoso nato.
Ensinam lição que não se aprende
na faculdade dos nobres mandatários.
A cidade cresce em vielas e favelas.
Subtraem-se vidas em massacres e chacinas.
Vidas que não importam
que não contam nas estatísticas essências.
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SOMOS MAIS QUE OLHOS DE INCÊNDIO
Somos
olhos de incêndio.
Olhos de certeza.
Olhos vivos, luz com brilho próprio,
procurando abrir pontos na escuridão.
Somos
peixes procurando frestas,
linhas podres na malha
pra desmanchar a trama.
Somos
nós de um mesmo laço,
lados da mesma miséria,
escravos do mesmo senhor.
Somos
povo de um mesmo brasil céu de anil,
- rima fácil e inútil
e vazio de Justiça.
Ignóbil país de séculos tortos,
povo roto,
de esperança que não se faz verdade.
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SEDE, FOME E ESCÁRNIO
Tudo o que eu tinha investi em vento
e saudade.
Esgotei lágrimas,
iludi-me com a luz da cidade.
A fome não tem morada
perambulo nela, sem teto.
O amanhã não é certo,
só há o resto, a solidariedade de uns.
O silêncio da noite mente
esconde murmúrios, lamentos
e não fotografa por dentro.
Só o sonho é ilusão doce de paz,
um vento que remove montanhas,
sacode poeiras
e desmancha horrores.
É uma excursão da alma.
Mas o dia chega.
Cidade:
redemoinho de homens sem cara,
solo fértil das futilidades,
anseios infrutíferos,
espaço amplo que não cabe quem na vida desanda
ou quem nela chegou tarde.
Só sede, fome e escárnio são o que hoje me cabem.
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REMOÇÃO
Vieram aqui cinco camburões,
150 homens armados
pra arrancar do chão quem já nada tinha.
E arrancaram, com casca e tudo,
um minúsculo sonho de moradia.
Botas e sabres puseram na rua
crianças, mulheres e seus pares,
mesmo cheios de razão.
E tudo sob convincente eloqüente argumento,
incontestável razão da propriedade
e servidão.
“Que ganância meu deus - disse alguém -
num mundo que está pra ultimar".
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RAP
Não há só pretos ou quase pretos*
na periferia.
Há pobres em abundância
de todas as etnias,
de todas as cores e tons
nas favelas, vielas,
batucando latas, sampleando sons,
criando versos, fazendo rap.
Os pivetes,
os moleques forjam uma língua nova,
da necessidade cria-se nova ginga.
Nos fundos da cidade
a realidade dura
exige nova música que emerge.
Pra quem não tem da escola
só hip hop é literatura,
som-vida daquela moçada sem grana
que quer ouvir o que entende,
quer falar do que vê,
quer expressar o que sente,
quer botar pra fora o que pulsa.
Por isso só fala cantado
e canta como quem fala
e mistura suingues, fundindo almas,
negras almas urbanas,
de todas as cidades do mundo.
*A frase grifada é de Caetano Veloso/Gilberto Gil .
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QUE MEDO
Eu tenho medo
de não mais perder este medo
que pensava passageiro.
De me complicar
e não saber explicar
o que não entendi.
Tenho medo de ser feliz.
De desagradar o vizinho.
De fazer barulho.
De quebrar o silêncio das dez.
De ser embrulhado.
De gostar errado.
De brochar.
De trair e ser punido.
Do além.
De dar e não receber.
De fazer o mal,
mesmo sem querer.
De pisar no calo dos ricos.
De famintos.
De não ter o que comer.
De ladrões.
De roubar e não poder carregar.
De possuir
e não saber dividir.
De não saber perdoar.
De perder todos os sentidos.
De me sentir perdido.
Tenho medo de tornar eterno
o passageiro.
De ter que partir
para o estrangeiro.
Tenho medo de perder a razão
De me tornar lúcido,
em vão...
De discordar de tudo.
De concordar com a lei.
De ser fora da ordem.
De promover a desordem.
De tocar acordes dissonantes.
De sonhar em alto-falantes.
Tenho medo de concordar
no momento da discórdia.
De dar corda.
De recolher a grana.
Da gana de quem nada tem.
De ser o único,
o último, o primeiro.
Tenho medo de,
ao invés de falar, calar.
De nadar contra corrente.
De boiar.
De morrer na praia.
De ser destaque, despontar.
De ninguém notar.
De ser gênio incompreendido.
De ser só mais um fudido
que nada consegue.
que não plantou a árvore,
não escreveu o livro.
Do filho não vingar.
Tenho medo das dívidas.
De assinar o cheque em branco.
De dividir
as dúvidas.
Das dádivas.
De Deus me castigar
e do diabo a quatro.
Eu tenho medo de
não mais perder este medo
que pensava passageiro.
De me complicar
e não saber explicar
o que não entendi.
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POLÍTICA CANALHA
O inimigo ataca. Está atento e forte.
Lança e fere, trama e mata.
Divide os homens e recolhe o lucro,
o fruto da sua gana.
São tramas dos carapálidas
e suas mutretas.
Confira: tudo que respira conspira,
portanto, Torquato Neto ensina:
Vamos tentar de novo
não podemos ser reféns da morte,
viver rodeado de mortos.
A política canalha julga,
falseia, aponta, apronta, distorce,
engana e destrói,
está impregnada de morte.
Amarra o povo, o país, a nação
aos seus interesses vis,
avilta, distorce e junta mais capital.
É preciso navegar,
ir além dos limites, romper cercas,
derrubar tronos e castas
ir em frente,
além desse bosque de almas penadas.
Romper esse teto baixo de imposições seculares,
de preceitos e preconceitos.
Ah! Os preconceitos, sim,
temos que destruí-los todos
traze-los da caverna do ser à luz
É preciso ser lampião, corisco, conselheiro
e preciso estar vivo e tentando sempre,
não dar folga,
fincar a cunha em qualquer nesga de luz
acender a tocha e iluminar a cidade.
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POBRE NÃO TEM CHÃO
Pobre não tem propriedade.
Tem portas e janelas,
tijolos e paredes.
Tem pés, tem mãos,
mas não tem chão.
Pobre tem estrada e enxada.
Tem filhos e mulher,
amigo e patrão.
Tem rádio e televisão.
Só não tem terra.
Pobre não tem chão.
Pobre planta arroz,
batata e feijão.
Colhe fruta, mas se frustra,
nada lhe pertence.
A terra não é sua.
O que planta não lhe sustenta.
Ele colhe, mas não junta.
Almoça, mas não janta.
Pobre tem pés, tem mãos.
Pobre não tem chão.
Pobre acorda cedo.
Ele é forte, tem brio.
Tem pés, tem mãos, mas não tem chão.
Pobre não tem chão.
Pobre não tem chão.
Ele tem olhos, tem filhos.
Ele sua muito.
Ele come pouco.
Ele trabalha a terra.
Ele é forte, é duro.
Ele luta,
refuta a exploração.
Ele quer pão, plantar e colher.
Ele quer terra.
Almoçar e jantar.
Ele quer terra.
Ele quer chão.
Pobre quer terra.
Pobre quer chão.
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PALAVRA BRASIL
Quero a palavra Brasil
despida de todos os chavões,
Inserida no chão-seio.
A palavra Brasil Glauber Rocha,
poeta das imagens trêmulas e sinceras.
Quero a palavra Brasil
pau-brasil, de Oswald de Andrade,
poeta das palavras poucas
do verso seco, cômico e mordaz.
Quero a palavra Brasil,
Palavra-língua-pátria de Caetano Veloso,
poeta das músicas dissonantes
e palavras chaves.
Quero a palavra Brasil,
sem rimas com céu anil,
povo varonil,
e sim Brasil de calos e suores
Quero descobrir o Brasil cinza
das vielas, seca e cercas.
Brasil real, raquítico e bravo,
marginal, depauperado.
Brasil amado, amargo, maltratado.
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NO DESVIO
Paulo Piolho dançou bonito,
fizeram peneira do seu corpo,
estancaram a fúria do moleque
crescido no morro, solto.
Anjo torto, 38 na cintura,
dedo no gatilho, sem erro,
nas desavenças era sempre o primeiro.
Chegado de todos e temido,
na favela tinha guarida
quando aparecia intriga.
Os barracos se abriam
quando pintava sujeira.
Quando a polícia o perseguia.
ninguém falava, nada viam.
Sua estima não era gratuita,
crescido nos braços da favela
a ela retribuía, do seu jeito.
Certo dia veja o que fez:
um carro de coca-cola desviou
e toda a carga distribuiu.
Foi farra como nunca se viu.
Deu dinheiro pra batizado.
Dos capoeiras era o patrono
e até investiu na comunidade
quando a chuva arrasou,
e tudo virou calamidade.
Paulo Piolho era assim:
o dono do pedaço.
Ninguém punha a cara,
pois sabiam da sua capacidade
com arma em punho,
sua fama corria a cidade.
Jogado desde cedo na vida
cresceu no desvio,
conheceu o inferno de perto,
iniciou roubando na feira,
e logo, nas quebradas da vida,
foi apresentado ao diabo.
Não lastimou nada,
foi à luta, revoltado.
Cresceu destemido, marcado
destino iguais a outros iguais.
No morro só dava ele,
a pivetada dava toque
era feito Charles, Anjo 45,
da música do Benjor,
mas seu dia já tava contado,
foi cercado, crivado de bala
por mais de 50 soldados.
Foi desta pra pior,
Mas deixou herdeiro pra todo lado,
pois tudo ali ainda é igual:
Falta instrução, atenção – governo,
cultura e trabalho.
A escola continua na rua montada,
com aula prática todo dia,
Não tem jeito
é destino Brasil,
pr’aqueles que nasceram,
cresceram e como Paulo Piolho
morreram no desvio.
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VOCÊ É UM MUNDO
Você não é só você
é também aquilo que vê,
aquilo que lê,
aquilo que obedece.
Você é vontade alheia.
Você é muito aquilo
que querem que seja.
Você é personagem
de um sonho de alguém.
Você é fruto
de uma árvore distinta.
Você é parte
de algo que não o satisfaz.
Você é peça que se troca
de um mundo domado.
Você é dominado pelo poder,
quase amordaçado
pelo salário e compromissos.
Você só tem algo seu:
A vontade pra romper,
livre arbítrio pra discordar
e mudar tudo.
Você é quase nada,
mas você é um mundo.