[Desfazimento]
[Memórias da Fazenda Barreirão - Divisa Minas-Goías]
A pilha de pratos de louça branca,
quase todos desbeiçados e trincados do uso,
ficava na cabeceira da mesa de três tábuas.
O fogão de lenha num canto esfumaçado da cozinha
irradiava aconchego para o cansaço e a fome de todos;
havia certeza de calor e promessa de sustância.
As mãos grossas e desajeitadas
empunhavam garfos solteiros,
e uma só passada pelas panelas de ferro,
resultava num montanhoso prato de boa comida.
A conversa amena e de frases curtas
era mastigada em baixa e calma voz,
que a hora era de respeito.
As cabeças sem chapéu, suadas,
a roupa ainda cheia de carrapichos,
atestavam e comprovavam a dureza da vida.
Era um tempo em que um ficava sozinho
só se chegasse bem depois do almoço;
todos comiam ritmados pelas mesmas coisas,
o mesmo rio de vida a todos conduzia.
Hoje — é indescritível o detrás da cena
de a gente ficar só, estando sentados juntos —
é puro abandono, é desfazimento de vida!
[Penas do Desterro, 21 de maio de 2000]
[Excerto do meu Caderno 3]