A UMA AMIGA
Dizei-lhe que também dos portugueses
alguns traidores houve algumas vezes!
(CAMÕES, Os Lusíadas, Canto IV, XXXIII)
Se alguém cuspiu na água
que corre da nascente,
se alguém excretou pus
donde esperavas sangue,
se alguém pisou as flores
que o teu carinho cultivou,
não abandones os braços
ao longo do rio
nem descreias da certeza
do amanhã sem nuvens.
A chave continua ali
ao alcance dos teus dedos
ávidos de abrir o âmago
das palavras.
A dureza das pedras que pisamos
forja-nos lágrimas de diamante.
Longe,
no fundo deste túnel,
escrevo-te o nome na penumbra
e reservo uma pedra
para arremessares no pântano,
enquanto aguardo que surjas
numa curva impensada.
Só porque os teus olhos
têm sede de luz e não se fecham
à crueza dos holofotes
– antes cintilam na noite
como estrelas.