CAXIAS CELA 24
Estas grades de ferro
colocadas entre mim e a vida,
este brado de alerta
dos guardas na muralha,
este silvo de solidão
a varar-me os ombros,
este bloco de espaço
cada vez mais denso
e mais estreito,
este esgar de ameaça
pendurado na porta
de duas em duas horas,
nada,
nada consegue a força
de impedir a tua entrada.
Olho-te e sorris
como se adormecesses
no meu colo.
Sonho recordações
que juntos respirámos.
Retomo as forças
espalhadas pelo chão,
converso, canto
e percorro quilómetros
sem parar.
Esta cela quase não aguenta
a carga de alegria que me invade.
Entre as quatro paredes,
que se apertam dia a dia,
sou livre!
Ouviram bem? Sou livre
e vem à minha cela
quem eu quero.
Os meus amigos, todos,
sentam-se no catre a meu lado
(é só recordá-los, um a um).
E tu, dentro de mim,
explicas
o porquê destas lágrimas espessas
que me queimam o riso.
Nunca estou só.
Há sempre quem chega
e quem parte
pelos corredores da memória.
Tu permaneces
para além do silêncio
porque tu és a vida
que me respira.
Ninguém pode impedir
o nosso abraço.
O Tejo, ao longe,
pisca um reflexo fugidio
como um apelo. As grades
diluem-se no tempo.
(Prisão de Caxias, Novembro de 1972)