PARÁBOLA DE AMOR

PARÁBOLA DE AMOR

O que vou te confessar agora

nesta inconsútil parábola de amor

a ninguém jamais foi dito.

Nem eu sei

o que dizer daquilo que não tem memória.

É como o nascimento casual

de uma flor na relva do jardim

ou a canção inesperada de um pássaro

que canta por instinto.

Porque o destino do pássaro

é cantar,

assim como o destino da flor

e florescer...

E se o destino do que devo te dizer

é esse,

então o amor por si próprio se revelará

inexoravelmente

como o sol que entra de manhã

pela janela de minha casa.

Por isso,

peço que guardes minhas palavras

para toda a vida

como a única,

última

e decisiva chave

do teu livre convencimento.

Porque amanhã,

se eu te disser a mesma coisa

já não seria a mesma coisa,

senão aquilo que te não disse

com as mesmas palavras

que teus ouvidos já ouviram

e teu coração já sentiu...

E é tudo o que sabes das águas de um regato

que não rolam mais por onde já passaram...

As aves que bailam pelo céu

nunca traçam a mesma trajetória,

ainda que prossigam em cumprir

seu destino de voar

como silfos desenhando no infinito

um aeromapa de rotas desconhecidas.

As palavras,

pastoras dos rebanhos de minhas emoções,

jamais conduzirão suas ovelhas pela mesma trilha

onde os lobos dos sentidos

tocaiam suas presas.

Assim como a canção mais leve

que há no mais breve instante em que o cristal

se quebra,

assim minhas palavras

são como as borboletas que morrem

após seu único,

último

e efêmero ato

de amor eterno!

Põe tua última atenção em mim.

Eu quero que me ouças assim como te falo

– de braços apertados ao redor desse meu próprio

abraço,

como quem vive da alegria reinventada de viver...

Ou de braços abertos para a noite iluminada

como a aurora que precede a convenção dos pássaros

antes de o dia amanhecer...

Repara bem no que agora vou dizer:

– Minha vida foi de inventar.

A única coisa que tenho reaprendido

é ficar ancorado ao redor de tua vida

como a ave marinha que não sabe de outra ilha.

A travessia para mim foi um naufrágio

de que não guardo mais qualquer recordação.

Estar aqui é só o que me basta,

como às eras dos penedos basta a brisa que as visita.

Minha esperança não tem nenhuma inquietação.

Meus sentidos não têm um só pressentimento.

Em silêncio me deito em teu regaço

e agonizo num êxtase sem sofrimento.

E assim vou construindo a eternidade deste instante

como o náufrago que reconstrói a sua nau

dos restos que ficaram dos momentos...

Despojo-te de tuas vestes

e faço disso um ritual de paz

e não um exorcismo de memórias e ressentimentos.

Eu faço como o sol que despe sua flor na relva

pela simples razão de que há nisso

o instinto de sublimação pelo milagre renovado.

Quantas e quantas vezes tens deixado

que eu te crucifique no meu corpo

pelo simples mistério que há no amor

de imolar-se sem ter padecimento.

Quantas vezes velei para que tu dormisses

com o murmúrio do mar ao redor de sua ilha...

E era sempre meu anjo quem velava

os sonhos de nós dois enquanto tu dormias.

Jamais pedi que me dissesses o quanto te mereço

nem sei se o sol o exigiu da flor.

Emigra o pássaro e seu canto fica...

Se é passageiro vem do que padeço.

Mas se é eterno vem do nosso amor!

É por isso que peço que me escutes

pela última vez em tua vida...

– Das mais altas colinas de meu ser

das mais altas encostas já vencidas

declaro-te mulher,

rainha te consagro

e deusa te proclamo...

E meu grito ressoa nas montanhas:

– EU TE AMO!...

– EU TE AMO!...

– EU TE AMO!...

A. Estebanez

Afonso Estebanez
Enviado por Afonso Estebanez em 08/03/2009
Código do texto: T1476405
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.