Ronda da Noite

De um dia fascinado pela incerteza de fixar as sílabas exactas da realidade ou da memória. Vejo-me como personagem cuja inteligibilidade as árvores ignoram. Não sei nada que possa comover a viagem dos navios. Amo a noite, aquela luz única que me prolonga para lá das curvas onde nunca fui. Não me perguntes o que vivemos, fomos pelo areal sem margens para olhar a distância das aves. Fomos de cabelos azuis beber o mar e não voltamos. Flutuei sobre as dunas com o corpo em névoa pelos quintais do silêncio. Nunca compreendemos nada, deixámos as sensações sentir e os lábios perderem-se no suco dos lábios. Não sei nada que possa mergulhar mais fundo que as veias, nem sei se é o vento que arrasta os ombros ou a íris que se dilui na luz do poente. Mas amo a noite que vem pelas fendas do ar até o corpo se dobrar na sua própria sombra. Não me perguntes o que guardo nos bolsos, a tua ausência rondando o céu.