Tormentos
Em homenagem a Florbela Espanca (poetisa portuguesa)
"Quem me dera encontrar o verso puro / O verso altivo e forte, estranho e duro / Que dissesse a chorar isto que sinto!" Florbela Espanca (1894 - 1930)
Acontece que já não sou há tempos
Indagado sobre mim, flutuo como um pássaro bêbado
Perguntado sobre o meu dia: respondo como um inseto que chora
Quando lembranças tomam o meu ser, movo-me como a pedra solitária
Já não ando como antes, nem para atender ao telefone que berra
Perdi as esperanças e avacalho as formigas que rondam a mesa
Atravesso as ruas sem olhar os carros que vem
Não ligo para as pombas do parque, tampouco para os peixes do lago
Faço questão de perder o ônibus, cujo próximo não sei se vem
Não tenho mais medo do ladrão
E pressinto uma alma escura que repousa a mão sobre os meus ombros
Após a morte de minha amada, nada mais sinto,
Nem mesmo a agulha fina embaixo de minhas unhas
E no tomar do banho – quando necessário – evito o toque no meu corpo
Perdi o meu espírito em um espelho
No apagar das luzes espero o sono bravo que não chega e
Diante do quadro negro, vejo a brancura do pincel que pinta minha alma chorosa e decepcionada.