O olho
O olho espreita noite adentro
como um cão faminto
e tudo que encontra são sombras
de um futuro empoeirado,
um futuro cujo ismo Marinetti
não imaginava ver catalogado em museus
O olho reagrupa cada sombra,
tenta criar uma palavra, um verso
mas a ausência do outro olho e
a cegueira castra-o
A cidade vigia-o
por cima dos prédios,
pelos bueiros,
pelos becos escuros —
observa-o de prontidão,
com todas as sentinelas a postos,
com todos os seus mísseis
e armas voltadas
para a pequena ilha dele
E, apesar de cego, o olho
aprendeu que na falta
de uma das faculdades,
os outros sentidos,
sobretudo, o poético,
entram em ação
Ferido e perplexo, então, o olho
indaga ao mundo: quem és tu?
meu nome é ninguém, responde o mundo
O olho até gritaria
aos sete ventos que ninguém o feriu
porém, ele sabe o eco de sua voz
e prefere, por enquanto,
às margens,
contemplar a face da noite escura