DEMAGOLOGIA DO DISCURSO NACIONAL

DEMAGOLOGIA DO DISCURSO NACIONAL

Se é mais fácil

um camelo passar no fundo de uma agulha

um bom ladrão roubar o paraíso

o galo cantar três vezes

sem que alguém haja mentido

do que adentrar no reino dos céus

um rico

um pulha

ou um político...

O condomínio do meu edifício

o porteiro e aquele síndico antipático

são a expressão mais-que-perfeita

da comunhão de idéias publicadas

no DO de 21 de dezembro de 1964.

Se todos os homens

nascem livres e iguais perante a lei

com direito ao trabalho e à justiça

dotados de razão e consciência,

comigo vai ser assim:

os negros passarão a usar o elevador social

o jogo-de-bicho será legalizado

controlarei a chuva no nordeste

imporei os preços dos produtos de exportação

proclamarei anistiados os escravos exilados

nas masmorras servis do ventre livre

condecorarei os cavalos dos republicanos

farei chegar a general o soldado raso

tal e qual o Bateau Mouche naufragou

escandalosamente por acaso.

... Ninguém será mantido na escravidão

ou submetido a qualquer forma de tortura

injustamente preso ou acusado de qualquer

delito por mera presunção até que prove

a inocência violada...

Eu lhes asseguro:

que essa dívida externa não será mais paga

com o sorriso desdentado da fome patriótica.

Que nossas filhas irão virgens para o altar

que todos os caminhos irão dar em Roma

que nossas mães hão de sempre sofrer num paraíso

que a autoridade episcopal será sempre infalível

que fazer um discurso deste era preciso!

E lhes asseguramos

que as nações estão decididas a reafirmar a fé

nos direitos fundamentais do ser humano,

cerzindo a paz com os laços insuspeitos

da autodeterminação dos povos

com liberdade, igualdade e fraternidade...

Do povo se ouvirá o herói-cobrado retumbante

às margens do Ipiranga ainda tão plácidas...

A ti, correligionária amada! serei fiel ao menos

até que a morte nos separe. Os meus testículos-de-cão

serão eternamente teus...

Liga não, mês que vem a inflação será contida

e daremos tudo aos pobres para emprestar a Deus!

E lhes asseguro mais:

Quem cometer delito contra a natureza

será punido

com pena

de prisão de quinze dias a três meses

(apenas).

Porque a justiça é falha, mas não tarda!

– assim falava Zaratustra,

porque dizia Virgulino

que Maria Bonita é quem mandava.

Mas lhes asseguro ainda:

os governantes não são de constranger o povo

após haver-lhe reduzido com medidas provisórias

a fonte constitucional de resistência...

... Nunca no GATILHO

... Nem na usURPAÇÃO

... Nem após simbólica ameaça

de lhe causarem condição injusta

no cárcere privado

da liberdade anônima de expressão...

... Nem mesmo pelo enforcamento

da consciência nacional

no pendão da esperança

a meio-pau!

E eu,

neste país

... de atenciosas saudações

... de ímpar consideração

... e de elevado apreço,

de escassas camisinhas

e calcinhas de veludo...

Eu prometo

se for eleito

fazer de tudo!

Eu prometo

se for eleito:

fazer tudo-tudo pelo social...

Botar somente a cabecinha...

Atirar a primeira pedra

e (a) tirar o Zé do trem

o Severino do ca (n) gaço

onde ele sempre se meteu.

Vou ajeitar para o Raimundo

(que é meio-parente meu)

ser funcionário em Medellín...

Se por cá only love save,

? porque lá não é assim...

Todo (o) poder emana do povo

e em seu nome será exercido

até que outro mais forte se alevante...

Vou desviar essas enchentes

declarar o sertão perdido

indicar o Quito Vendes

produto do paraíso...

Camuflar os clandestinos

pra não serem reconhecidos...

Isso eu prometo.

É pra quem pode.

Ta decidido!

Se correrem um rico e um pobre,

o rico será detido.

Comigo vai ser assim...

Vote em mim!...

Afonso Estebanez

Afonso Estebanez
Enviado por Afonso Estebanez em 02/03/2009
Código do texto: T1464704
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