Cérebro sentimental (para João do Rio/1881-1921)

Ando por essas ruas:

Elas compõem a minha carne.

Através delas vou aos correios,

Ao banco, à padaria e ao mercado,

À livraria, ao bar.

São elas que me trazem os cheiros,

As cores, as expressões faciais

De suas gentes,

E assim eu tenho a quem incluir

modestamente na minha precária

poética.

Essas ruas carregam em suas coxias

Noturnas

Vícios, crimes, amantes,

Resquícios de algum amor,

Mendigos na sarjeta

E meninos (como se fossem anjos

De asas nada alvas)

Que entorpecidos de cola

De sapateiro dormem profundamente

Em suas praças e passeios.

Ruas essas que deixam impressas

No meu cérebro sentimental

Marcas que o homem deixa

Do pouco que ainda resta de bom

E de tudo que é infinitamente mal.

CAIO DUARTE
Enviado por CAIO DUARTE em 28/02/2009
Reeditado em 02/03/2009
Código do texto: T1461853