Cérebro sentimental (para João do Rio/1881-1921)
Ando por essas ruas:
Elas compõem a minha carne.
Através delas vou aos correios,
Ao banco, à padaria e ao mercado,
À livraria, ao bar.
São elas que me trazem os cheiros,
As cores, as expressões faciais
De suas gentes,
E assim eu tenho a quem incluir
modestamente na minha precária
poética.
Essas ruas carregam em suas coxias
Noturnas
Vícios, crimes, amantes,
Resquícios de algum amor,
Mendigos na sarjeta
E meninos (como se fossem anjos
De asas nada alvas)
Que entorpecidos de cola
De sapateiro dormem profundamente
Em suas praças e passeios.
Ruas essas que deixam impressas
No meu cérebro sentimental
Marcas que o homem deixa
Do pouco que ainda resta de bom
E de tudo que é infinitamente mal.