A MANGUEIRA

- para Jorge e Zélia -

Colhi tantos frutos na vida

que chegada é a hora de ficar

na paz da casa do Rio Vermelho,

beijando com saliva as minhas raízes.

Na mangueira quarentona,

a memória plantada se apegou

às mais ternas canções do Caymmi,

brotando páginas crescidas em árvores.

Dos filhos tidos, desfolhados,

à sombra da copa que alimenta

a preguiça de ficar para não crescer:

ah, como queria ter os pés nos galhos!

Hoje, bem daqui-a-pouquinho,

voltarei a embermudar a rede que cochila

pendurada em silêncio, qual um bicho dolorido,

esquelética e vertical naquele canto sem paredes.

Hoje, bem daqui-a-pouquinho,

voltarei a dar “graças a Deus” e graças a Zélia.

Preciso, agora, mais de amor do que das memórias,

e ela me devolverá com as mãos de quarenta histórias.

Ela me replantará no quintal da Casa do Rio Vermelho,

sob os cuidados da sombra daquela mangueira,

onde namoramos até que tornei-me seiva.