JARBAS, INSIGNIFICANTE E POETA

Quando a vida acordou com o dia,

Jarbas, bem antes de chorar, falou:

— Serei poeta! ...

Mesmo com as pernas, preguiçosamente encurvadas,

nadadas contra a luz, em busca da opaca claridade,

coroando a luta que insiste nascer para se ser

triste e dolorido, assim como as contrações

da pia que batizou Jarbas na água viva,

custosa de nome, custosa de parto.

Coitada de D. Maria,

gasta pelo cansaço da hemorragia,

pariu um poeta antes que a morte

tomasse conta do choro da vida.

Quando a vida acordou para o dia,

Jarbas, bem antes de andar, caminhou:

— Serei moleque!...

Mesmo com as pernas esqueléticas das ruas finas

alquebradas, de cara, nas pedras de Amaralina,

salgando os paralelepípedos portugueses

tortos como os andares das procissões

no bronzeado menino, alma do povo

custoso de infância e lágrimas.

Coitado do Seu Honorato,

alfabetizado em igrejas e delegacias,

temeu o filho-poeta solto à sorte

criado no ócio da imaginação.

Quando a vida acordou entre os dias,

Jarbas, bem antes de delirar, imaginou:

— Serei astronauta!...

Mesmo com as pernas cruzadas sob a mesa farta

meladas de caranguejo, com mãos de farinha,

brincava de guardanapo nas coxas da prima

sonhadora, ensinando o dedo na calcinha

branca com babados e rendinhas

custosa de desejos e vãos.

Pobre ficou Juliana,

com os sonhos perdidos ontem

entregou sua barriga ao fogão

e requentou a velha poesia.

Quando a vida acordou antes do dia,

Jarbas, bem antes de dormir, sonhou:

— Serei amante!...

Mesmo com as pernas nos lençóis do presente

do laço embrulhado, com envelopes e cartões

rasgados pela ânsia, reconheceu a caligrafia

míope das letras apagadas da lembrança

ignorada, sentiu falta das namoradas

custosas de rostos e de memórias.

Mariza, a dos fins-de-semana,

deu espaço num fim-de-cama

dos seus medos sem temer

a próxima segunda-feira.

Quando a vida acordou para o dia,

Jarbas, bem antes de crescer: minguou:

— Serei obscuro!...

Mesmo com as pernas prontas para o passo

derradeiro, definitivo e louco em querer fugir

dos telegramas que recrutaram esse civil

pronto para se tornar um servil militar

da reserva mais digna e ingrata

custosa de saber se explicar.

Jarbas, o filho do Jarbas,

guardou as frases ditas pelo pai

com recortes de jornais e cola-tudo

certo de que a paz morre de cedo.

Quando a vida acordou doída de dia,

Jarbas, mesmo sem brigar, relutou:

— Serei cadáver!...

Mesmo com as pernas vividas pelo mundo

traiçoeiro, as armadilhas e os movimentos

revelaram-no herói, amante e carrasco

das letras, um órfão do não revelado

da palavra não dita de olhar duro

custosa em saber como falar.

Pobre Jarbas poeta,

triste espectro fatalista,

morreu na árvore de seu filho

sem um livro sequer publicado.