SOB A ÉGIDE DO PRIMEIRO BEIJO

Depois desse primeiro

desajeitado, muitos outros virão;

tão cheios de medos

quanto as mãos mais frias

que se aqueceram no primeiro retoque,

tão cheios de motins

quanto os bateres do peito rebelado

que, em conflito, aspirou as flores da noite,

tão cheios de cuidados

quanto a geléia-de-cacau, entre lábios,

que umedeceu a saliva ressecada das palavras,

tão cheios de desatino

quanto o soco traiçoeiro da briga de rua

que sangrou a boca e, sem querer, comeu dentes,

tão cheios de mormaço

quanto a proteção do guarda-sol fechado

que encobrirá os restos dos beijos fatalmente virão.

Depois desse segundo,

aconchegados, muitos outros serão;

tão sem mistérios

quanto as flores do campo

que acordarão para nos dar bom-dia,

tão sem segredos

quanto a ducha de água fria

que dará nome ao corpo por nós batizado,

tão sem novidades

quanto os velhos amores dos jornais passados

que voltarão para o baú da sala, onde moram as traças,

tão sem salamaleques

quanto aquele cuidadoso encanto do beijo primeiro

que, hoje reinventados, são duradouros sem lábios gastos,

tão sem privacidade

quanto os olhos, aparentemente, alheios à cumplicidade

que não têm receitas nem jamais saberão o gesto das bocas.

Aí então, poderemos beijar nosso filho

com o riso devasso já em berço.

Que nos venha o segundo,

que nos venha mais um terceiro

para que nossa casa sorria e cresça

sob a égide desajeitada do primeiro beijo.

A história da fábula

pode ou não ser ficção,

contaram as elipses na reta dos planetas,

há vinte e oito anos da luz imperceptível

acesa pelos corpos mais fabulosos

incandescendo a ordem unida

do desamor terrestre.

O sol,

percebendo o tempo ido no sentido horário

deixou a era de aquarius chegar e seguir

os dedos na estrada e em contramão

desbeijando seios de mães

desmamando as vias luminosas

aos vinte e oito anos-luz sem atraso

do relógio de pulso na pulsação da estrela.