Louco
Louco
Paulo Camelo
- Cajueiro, tu tens olhos?
Podes dizer o que viste?
- Vi um casal se amar
e na sombra dos meus galhos
desse mundo se isolar.
- E tu, coqueiro, escutas?
Diz-me, então, o que ouviste.
- Daqui nada pude ouvir;
eu não sei de que tu falas
pois nada pude escutar.
- E tu, aqui nos meus pés,
o que sentiste, capim?
- Algo nunca imaginado:
um casal aqui deitou
e eu não fui nem tocado.
- Aqui choveu nesse dia;
a chuva nada notou?
- Eu caí sobre o coqueiro,
eu molhei o cajueiro,
sobre o capim me deitei
mas o casal não molhei,
eu não o vi, não, senhor.
- Mas o vento está lembrado
do casal aqui deitado?
- Eu balancei o coqueiro,
agitei o cajueiro,
o pó do capim varri
mas no casal não toquei,
esse casal eu não vi.
- Mas então esse casal
só o cajueiro viu?
O coqueiro não ouviu,
o capim não o sentiu,
a chuva não o molhou
nem mesmo o vento o tocou?
Será que houve o casal,
ou só houve o pensamento,
a intenção do momento
que, não sei como diabos,
o cajueiro notou?
Será que foi ilusão
também do capim no chão?
É um mistério esquisito,
não sei em quem acredito,
não sei a quem perguntar.
Ou será que nisso tudo
quem está louco sou eu?