PEÇA SEM NOME
É uma peça sem nome…
no palco
estrutura frágil
montada sobre alicerces de vidro
um homem e uma mulher
discutem
num antagonismo cortante
a eterna disparidade dos seres
a cena
é iluminada exiguamente
pelos diálogos irónicos
mordazes
paupérrimos de luz
pelo chão
ladrilhado de mágoas
flores pisadas
murchas, sem cheiro
ao lado
uma cascata de ilusões
seca e calada
ferida aqui e além
a golpes de ruptura
e ao fundo
numa pintura surrealista
sonhos amputados
flutuam perdidos
num mar de frustração
De súbito, o insólito…
as flores
ganham viço e aroma
inventados pelas personagens
toldadas
pela ânsia de serem felizes a todo o custo
ainda que ilusoriamente
da cascata
a água irrompe
límpida e cantante
na perspectiva fantasiosa
dos seus olhares cegos
em negação da realidade
e a pintura surrealista
castradora e depressiva
é assimilada pacificamente
como uma obra de arte
de rasgo estranho
não entendível
Duvido do êxito desta peça…
mas…
os actores
numa atitude masoquista
recusam-se a abandonar o palco
insistem
em representar o absurdo
(In "Memorando de Fogo")