O Velho e a Criança
I
Essas marcas em minha pele
São chagas profundas da idade
Caminhos por onde passei
Cavando com pés o chão...
Segurando no braço a inchada
Dos tempos remotos de esperança
Sem conhecer o que és tu, criança,
Filha de uma terra desolada;
Em meu rosto novo no palidecer
E em meus olhos perdizes
Estão de amores as cicatrizes
Que jovem apenas aprendi a perder.
Depois dos sessenta anos
Cada aniversário é um presságio
De uma morte não tão longe,
- Não há razão para comemorar.
Este corpo que conhece o mundo
Não mais reconhece as alegrias,
Entende agora do abandono ao imundo
E as mais indenominaveis alergias.
E tu com esta carcaça tão amarela
E iris tão cheias de sofrimento
Finges que alcanças a aquarela
Da experiência... O Sórdido auto-reconhecimento.
II
Eu que vejo olhos verdes
Por trás de lentes grossas
Apenas toco com-paixão,
Não és capaz de perceber?
Sinto, deveras sente
A dor da idade em mente
E a minha de já o ser.
- "Tive espirito morto
Tive já espirito vivo
Hoje sou espirito imaturo,
Um dia tive setenta anos".
Talvez eu não saiba o que é futuro.
III
Sons de acordeon contrachocam-se
Com graves notas de contrabaixo
As gerações entre olham-se
Algo se perdeu dos corações abaixo.
Gemidos conformados de dor
Gritos selvagens de raiva...
Os ventos dos anos lhe tiraram o ardor,
O sopro dos dias a paiva.
IV
"Eu subo e corro do cemitério"
"Eu sento e deito na lápide"
"Acredito em Deus e destino"
"Não confio em nada além do saber"
"Disperdicei um dom pelo pão"
"Desuso-me do luxo para sonhar"
V
O velho olhou a criança
Suas pupilas verdes e brancas
Coçou o queixo e a érnea
Analisou cada centímetro;
Silêncio tomou a sala
Em assalto a mão armada
De sossego e solidão,
Apenas um cachorro latia na porta.
A criança olhou o velho
Seus olhos castanhos e vermelhos
Abaixou os óculos, tirou o boné
Sentiu cada lamento.
A conversa tomou a sala
Suave, livre, mas armada
De trizteza e passado,
A nostalgia latia nos corações.
VI
O velho segurou o pranto,
Coçou o cabelo branco...
A criança travou o choro
E levantou sem se despedir.
- A liscensa é um mal da educação.