MISTÉRIO E ESTÓRIA DA FLOR DA ARRUDA. (autobiografia "Conversas com Macúbas")
CAPÍTULO XXXIV
Foi Seu Miguel quem me contou e eu acredito nas palavras desse velho bom homem que mora no povoado de Gameleira, distrito de Maria Preta, município de Teofilândia, quê, arruda se planta em qualquer dia do ano e somente na noite de São João ela bota uma linda flor mais precisamente às 23h40min. Nunca de “núncaras”, mas, de nunca jamais, um ser humano vivente conseguiu colhê-la, pois na fração de segundo em que ela nasce o diabo em formato de um felino num "pulo de gato" a apanha e come-a. O homem pode ‘istuciar’ na espreita, de ‘tucaia’, até vê o vulto no salto do pixane, mas não consegue colhê-la.
E se algum dia, nalgum tempo, porque a vida é dinâmica - ora, "afinal o homem chegou à lua!" Se alguém conseguir colhê-la, tornar-se-á o ser mais rico de todo planeta e de todo o universo, pois terá usurpado como que de sobressalto toda a fortuna do império do Demo. Decretando o fim do fedorento.
O que se encerra na arruda é só benefício ao animal e ao próprio homem. É remédio pro sangue e pra todo o corpo. É solução para todo malefício da alma: espanta olhado, afasta treitas, maleitas, feitiços, e, abre os caminhos para a sorte e a felicidade, mesmo sem envolver questões de dinheiro. Torno a repetir, quem falou foi Seu Miguel, um pajé, sábio rezador e curandeiro.
Seu Miguel é um duende que surgiu em meu caminho, espontaneamente, do nada, e, plena feira de sábado em Serrinha, apareceu interpelando-me, no meio de uma conversa com Clarice Bacelar, musa de outros tempos que permanece musa ainda hoje, já citada e reconhecida neste livro – no capítulo “Regência de Classe”, e a nossa conversa transcorria sobre o meu livro “Teatro Nosso Cada Dia”, então em lançamento.
Seu Miguel ofereceu algumas de suas mercadorias e ela comprou andu e feijão de corda e ela perguntou se ele conhecia algum rezador, daqueles, pau e casca. E ele disse que era bom de reza e começara ali uma série de contatos que culminaram com serviços de limpezas espirituais e de energias negativas comigo, minha família, meu trabalho e também, separadamente, com a própria Clarice.
Homem muito simples, humilde e analfabeto confesso, mas detentor de uma sabedoria e cultura populares gigantescas, contador de causos, contou-me a estória acima, no momento em que lhe solicitara trazer de sua roça algum manjericão para enfeitar e dar gosto nas saladinhas que sempre ingiro nas dietas que faço por conta do meu diabete, e ele, comparando o manjericão à arruda saiu-se com essa estória, que ora acabo de concluir e revelar.
Ele sempre me convence e me comove com o seu jeito sensível e terno de ser bom nos seus predicados, algo que falta a tanta gente nesse mundo e nesses tempos.
Seu Miguel conhece e sabe de um tudo, que vai desde a medicina popular até a mais fértil entre as mais ricas filosofias existenciais, parece, não fosse analfabeto, um homem culto. Suas tiradas com citações são incrivelmente fortes. Conhecia, pois fiquei sabendo nesses dias, quando o procurava no Mercado Popular, que o bom velhinho meio cego de um dos olhos e manco em uma das pernas, já não estava mais aqui entre nós, que teria sido convocado pelo Pai Eterno pra fazer suas curas espirituais e pra alegrar o andar de cima com seus causos e estórias.
Requiescat in Pacce, Anjo Miguel!
Serrinha, 04 de fevereiro de 2009.