"DESPERDIDA: Conversas Com Uma Fotografia" - Poema de Tchello d'Barros
"DESPERDIDA: Conversas Com Uma Fotografia"
Tchello d’Barros
I
Um romance chega ao fim
Momento de despedida
Hora de dizer adeus
Fica um pouco de você
Muito em mim vai embora
Até breve e até sempre
Que sejas muito feliz
Um corpo se distancia
Indo embora pra bem longe
Mas as letras do seu nome
Me ardem na ponta da língua
Néctar de raros perfumes
Levados na brisa do tempo
Trazidos no vento do agora
A lua na madrugada
Espiava nosso amor
Invejava nosso beijo
Calor na pele afagada
Toque sutil de ternura
E na líquida volúpia
Dois corpos estremeciam
Nos albores da aurora
Acordávamos juntinhos
Nossos olhos se abriam
Ao mesmo tempo também
A luz do sol descobria
Um casal que se amava
Na rosa branca do dia
II
Seu nome era uma linha
Na palma de minha mão
Invadiu as minhas veias
Jorrou a luz em meu sangue
Tatuou-se em minha alma
Impregnou-me sonho adentro
Granada dentro do peito
A retina iluminou-se
Luz na íris dos seus olhos
Cada linha do seu corpo
Cada traço do seu rosto
Na inefável silhueta
Em sinuosa escultura
Repousada nos lençóis
Num sussurro dos seus lábios
O som da palavra sim
Desde o primeiro instante
Um hálito de promessas
E a certeza de amar
As cores de nossa aura
Sabem disso muito bem
Voar e flanar no voo
Estar mais perto do sol
Quase tocar as estrelas
Sentir a brisa na bruma
E estar dentro da nuvem
Como estar em seus abraços
Arrepio na epiderme
III
Você era o dia de ouro
Manhã nívea no jardim
O que foi melancolia
Melodia veio a ser
A escrita mais cálida
Entre letras e entrelinhas
Em meu livro-coração
Você era raio e sol
Neste peito de iceberg
O sal no meu oceano
A brisa que sopra a vela
No barco do meu destino
Onda na beira da praia
E a espuma na areia
Você era raro linho
Tramado em fios de sonhos
Desenho de muitas flores
Bordado na tela nua
A agulha do desejo
Costurou os dois tecidos
Com linhas do sentimento
Mas mesmo a primavera
Deixa um dia o jardim
Uma borboleta azul
Embriagou-se no néctar
A mesma lua diáfana
Lembra na noite crescente
O olho de uma pantera
IV
A borboleta do amor
Voou numa tarde cinza
Para além do horizonte
E não ficou quase nada
Só umas fotografias
Numa pequena caixinha
Testemunham sua ausência
Mas nas asas da saudade
Na hora da solitude
Lembrarás de quem lhe amou
No sino que soa ao longe
O meu nome em seus ouvidos
E o timbre de minha voz
Quando alguém disser ‘te amo’
Seu corpo dirá do afeto
Tangido em nossa pele
Das tempestades solares
Que nos ferveram o sangue
Dos seus sonhos e segredos
Tão sonhados nestes braços
Num dilúvio em carícias
E a rosa da solidão
Se nascer em seu jardim
Se as pétalas da lembrança
Em olores de saudade
Perfumarem seu semblante
Com meu nome em seus lábios
Ainda vive esse amor
.