HOMEM DE PAPEL
O homem de papel nasceu num dia atual.
Não sei se é contemporâneo.
Pois não sei se esta atualidade ainda é a tal.
Ele não o era, antes de o ser.
Embora os pais gostaram de isto prever.
Mas ele não era e nem deveria, isto eu sei.
O homem de papel gosta de dizer: “eu não errei”.
Mas erra sempre, isto também eu sei.
O homem de papel, papel opaco.
Onde não se pode passar o sol.
Mas é branco e serve para fazer contrato.
As pessoas lhes escrevem.
E todas de muitas culturas passadas carecem.
Ele é carimbado, selado, arquivado, institucionalizado.
Aquilo que tiver escrito ele será.
Ele nunca, ele nunca mudará.
Homem de papel não tem borracha.
E se apagar agora, branco se tornará.
Homem de papel, já devia ter parado.
Agora, agora está acabado.
É melhor deixar o vento te levar.
Você vai voar, e não vai gostar, eu sei.
Mas isto lhe é escrito.
Homem de papel, eles fogo te colocarão se você não voltar.
Homem de papel você não pode parar.
Se cair agora na terra vão te sujar.
Homem de papel, você não é pedra.
Não cai enquanto o vento não parar.
Você não dirige.
Homem de papel, você não é pedra.
Não ataca, não defende.
Eles vão te levar, eles vão te arquivar.
Homem de papel, se tua instituição passar
eles vão te amassar.
Homem de papel, se você não lhes ajudar
eles vão te queimar.
Eles vão te pôr num monte
e amarrar com uma fita preta.
Você não sabe, você não vê.
Você lê, você lê o que eles irão escrever.
Homem de papel, não adianta.
Eles vão soprar e você vai voar,
até lhes prestar.
Homem de papel, foi você quem assim quis.
Você queria estar limpo diante do juiz.
Não ter mais a censura, poder ficar as escuras.
Homem de papel, foi você quem assim quis.
Vê se toma cuidado com o que diz.
Eles te pegam pelo polegar.
Não, não sou quem assim te quis.
Não sou eu que assim serei.
Não sou quem você é.
Eu sou poeta, sou profeta.
Sou amado filho da terra,
e lindo até.
São Paulo, 16 de fevereiro de 1976.