RECITAL
Subo a este palanque
para dizer um poema
de amor e de ternura
dedicado àqueles homens
que nas estrelas contemplam
o reflexo da eternidade.
Porém, de repente, enrola-se-me a voz,
recusa-se-me o gesto,
e desvanece-se a mímica
com um furor a navegar-me as veias.
É que, dentro de mim,
há mãos e dedos a apontar
ali, na Palestina,
alcateias de tanques
semeando crianças mortas
pelas ruas de Gaza.
Como posso eu dizer este poema
tão tranquilo
se dentro de mim, no fundo dos meus olhos,
me atormenta aquela criança fria
com um grito de sangue a escorrer da boca?
Aquela criança
e outra e outra e outra
são esperanças em botão esfaceladas
com estilhaços de bombas
cravados no cérebro.
Aquela criança
ali,
de olhar de vidro frio e penetrante,
não consente que eu diga,
aqui,
este poema tranquilo.
E ainda o grito daquela mãe
enche-me os ouvidos
para que a minha boca também grite.
E é já o grito de todas as mães
a estremecer a terra,
a abanar, a abanar,
para que o ódio se desprenda e afunde.
Como é que eu poderei dizer, aqui, este poema,
se um gargalhar de assassinos,
rugindo como gorilas dementes,
ameaça fechar o Sol
aos olhos inocentes deste povo?
Como pintar de amor a raiva que eu próprio sou?
Como adoçar a voz e não gritar,
não ferver, não saltar, não correr,
não transformar os versos em granadas,
fuzis, espadas, mísseis, fortalezas,
para impedir que voltem a matar
esta criança que me está nos olhos
vincando o meu remorso de ser gente?
É certo que eu subi a este palanque
para dizer um poema tranquilo.
Mas, afinal,
vão desculpar-me
porque eu
não vou dizer poema nenhum!
(Janeiro de 2009)
Subo a este palanque
para dizer um poema
de amor e de ternura
dedicado àqueles homens
que nas estrelas contemplam
o reflexo da eternidade.
Porém, de repente, enrola-se-me a voz,
recusa-se-me o gesto,
e desvanece-se a mímica
com um furor a navegar-me as veias.
É que, dentro de mim,
há mãos e dedos a apontar
ali, na Palestina,
alcateias de tanques
semeando crianças mortas
pelas ruas de Gaza.
Como posso eu dizer este poema
tão tranquilo
se dentro de mim, no fundo dos meus olhos,
me atormenta aquela criança fria
com um grito de sangue a escorrer da boca?
Aquela criança
e outra e outra e outra
são esperanças em botão esfaceladas
com estilhaços de bombas
cravados no cérebro.
Aquela criança
ali,
de olhar de vidro frio e penetrante,
não consente que eu diga,
aqui,
este poema tranquilo.
E ainda o grito daquela mãe
enche-me os ouvidos
para que a minha boca também grite.
E é já o grito de todas as mães
a estremecer a terra,
a abanar, a abanar,
para que o ódio se desprenda e afunde.
Como é que eu poderei dizer, aqui, este poema,
se um gargalhar de assassinos,
rugindo como gorilas dementes,
ameaça fechar o Sol
aos olhos inocentes deste povo?
Como pintar de amor a raiva que eu próprio sou?
Como adoçar a voz e não gritar,
não ferver, não saltar, não correr,
não transformar os versos em granadas,
fuzis, espadas, mísseis, fortalezas,
para impedir que voltem a matar
esta criança que me está nos olhos
vincando o meu remorso de ser gente?
É certo que eu subi a este palanque
para dizer um poema tranquilo.
Mas, afinal,
vão desculpar-me
porque eu
não vou dizer poema nenhum!
(Janeiro de 2009)