DE ONDE, A VERVE? (AUTO-BIOGRÁFICO "CONVERSAS COM MACAÚBAS")

CAPÍTULO VII-I

1962

Mas antes, muito antes, criança ainda, bem mais inocente acerca do que era teatro, platéia, aplauso, crítica, já descobrira meus talentos. Morávamos em família na Rua Joaquim da Maia, uma ladeira de pedras rudimentares que ligava e liga o Largo 2 de Julho, centro de Salvador, à Rua Democrata, uma espécie de avenidinha de contorno por onde se chegava da cidade alta à baixa, entre o Largo 2 de Julho e a Conceição da Praia. Era um prédio mais velho do que antigo, de arquitetura equivocada e sem estilo, mais ou menos quatro andares, contando com o térreo e havia um quintal lateral com um muro baixo, mas cercado com gradil de ferro e chumbo torneado. O quintal era importante, pois eu digo que tive lastro, conquanto um quintal na infância para curtir brincadeiras e muitas experiências de criança sadia, eu, minhas duas irmãs Dida e Márcia, um pouco mais velhas que eu, além de outras crianças da rua. Ali naquele quintal tive o meu primeiro palco. Era um banco de tijolos, recoberto de cimento liso, que parecia uma marquesa. Gugu, irmão mais velho, estudava medicina e era professor no Colégio São Bento. Com o dinheiro das aulas comprava discos 78 rotações – era o que existia e tínhamos em casa uma vitrola que ficava próxima a uma das janelas da casa que dava para o quintal e projetava som pra fora. A música dessa minha façanha era “Blue Moon” cantada totalmente em inglesa, não sei por quem. Aproveitava o dito banco do quintal, subia no mesmo e dublava, E quem disse que eu sabia sequer uma palavra nesse idioma? Então, eu dublava e dançava e pessoas que passavam na rua descendo a ladeira, paravam e me assistiam, e algumas vezes, juntava gente e até me aplaudia. Pude perceber o prazer caloroso e aconchegante daquelas palmas e creio definitivamente, descobri-me artista cênico.

Antonio Fernando Peltier
Enviado por Antonio Fernando Peltier em 16/01/2009
Reeditado em 18/01/2009
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