CÂNTICO DE AMOR NOTURNO

CÂNTICO DE AMOR NOTURNO

A hora é alta! E a noite é numerosa!

Morta é a lua no abismo da penedia!

Brame o oceano e freme a ventania

nos funerais noturnos da esperança...

E nem o amor pode fazer mais nada!

Deixei que minha vida se exaurisse

e que a escuna da alma se esvaísse

à bruma na memória da lembrança!

Oh, torrente assombrosa de paixões...

Não há rosa na vida que não sangre

ou lírio que viceje sobre o mangue

tinto de sangue ao látego do vento!

Divino amor dos deuses decadentes...

A aurora é luz na sombra iluminada

de uma opereta infrene e inacabada...

O amor saiu de cena antes do tempo!

Oh veredas lunadas! Oh candeias

do último luar que morre em mim

como luz entre as urzes do jardim

ou o ninho entre sarças encoberto!

Último cântico dos mortos sonhos

idos na flor ardente de Hiroshima!

Sonhar de amor que dói e desatina

e esvair-se como o oásis no deserto...

Procurei pelo amor por toda parte...

Debalde! Nem os cânticos dos rios

nem os porões escuros dos navios

puderam-me dizer onde encontrar!

No sonolento olhar das aves puras

na cruz da sepultura de meus pais

ou na honra sem dor dos samurais...

Não se vê onde possa o amor estar...

Quem sabe se nos idos medievais!

No princípio dos meios e dos fins...

Nos berçários azuis dos querubins

onde o amor é prodígio da paixão!

Mas amor sem o amor está banido...

Espada que não serve ao cavaleiro,

aventuras do barco sem barqueiro

pelos mares do amor sem a ilusão!

Há ainda os cadáveres das mães

jazidos na poeira dos escombros...

Há o peso dos corpos e os ombros

no fúnebre despejo das tragédias!

Ah, cântico de morte! Madalenas!

Chorai por esperanças prometidas

no jubiloso regresso das partidas,

o lado menos triste das comédias...

Chorai pelo destino de Desdêmona!

De Beatriz de Julieta e de Eurídice...

Cantai o amor maior do apocalipse...

Pelo amor de Jocasta! Oh corifeus!

Pela paixão dos astros e do eclipse...

Das prostitutas pelo amor proscrito

acolhido pelo amor de Jesus Cristo,

o Bem Supremo da paixão de Deus!

Deus! Depõe esse cântico de amor

nas veredas profundas do oceano!

Sustenta esse meu doce desengano

por esses mares de paixões e além...

Faça-me ânfora de um vinho novo.

Devolve a profecia ao seu profeta

e esse dom da poesia ao seu poeta

que tange às portas de Jerusalém!

Quero o amor infinito dos amantes

além dos fundos falsos das janelas

de onde o cio amoroso das gazelas

fertilize o deserto além do Hebrom...

O aroma dos vinhedos verdejantes

os amores do gamo sob as vinhas

guardadas pelo amante das rainhas,

como as rosas dos vales de Sarom!

A. Estebanez

Afonso Estebanez
Enviado por Afonso Estebanez em 27/12/2008
Código do texto: T1354361
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