ESTRANHA MUTAÇÃO

Estranha mutação a morte encerra!
No peito aquieta o coração candente!
E a alma arranca, assim, abruptamente,
Ao corpo que, afinal, rola por terra.

Estranha mutação! Vem inspirar-me.
Vem reunir nestes meus pobres versos
Os pensamentos meus, os mais dispersos,
Como a envolver-me agora e abraçar-me...

Quero sentir a rigidez do morto!
A morbidez dos contristados olhos!
Quimeras, sonhos e, também, abrolhos,
Desfeitos, mortos, como o frio corpo...

Sentir nos lábios escaldantes beijos;
Queimando as faces lágrimas sentidas,
Do fundo d’alma, em borbotões caídas
Sobre o insensível ser, já sem desejos...

Depois, a caminhada à sepultura!
Corpo indefeso, misturado à terra!
O verme ao verme declarando guerra,
Numa batalha que bem pouco dura...

Logo virá a podridão, o lodo!
Depois, o pó ao pó irá se unindo,
E a natureza, assim, irá cumprindo
O seu papel, sincronizando o todo...

Quero sentir minh’alma desprendida,
Sem peias, a voar pelo infinito,
Sulcando o azul do céu, amplo e bonito,
Longe dos elos da terrena vida...

E penetrar assim, o imponderável!
O abismo fundo que nos mete medo!
Da humanidade seu maior segredo!
Segredo milenar, impenetrável!...

Segredo donde nasce esse respeito
Que todo morto a nosso ser infunde!
Respeito, medo, tudo se confunde,
Enquanto o coração bate no peito!...

Como a lembrar-nos que somos mortais
E que algum dia velarão por nós,
Esposa, filhos, pais, irmãos, avós...
E o coração não pulsará, jamais!...

Estranha mutação! Como és cruel!
Embora estanques mil padecimentos,
Quem não quisera, mesmo em sofrimentos,
Seguir solvendo desse amado fel?!...

Janeiro de 1962.
Antonio Lycério Pompeo de Barros
Enviado por Antonio Lycério Pompeo de Barros em 24/12/2008
Reeditado em 07/04/2009
Código do texto: T1351152
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