MUDAR

Sei que mudei, querida. Mudei sim! E quanto!...
Tanto mudei! Tão grande foi a mutação
Dentro de mim, que à triste alma e ao coração
Frio e tristonho indago a sufocar um pranto:

Por que mudei assim? Por que tanta mudança?!
Se ao menos no meu ser eu conservasse agora
Um pouco da pureza que eu já tive outrora,
Quando um botão em flor eu era, uma criança...

Uma promessa linda, um renovado sonho,
Que a vida estrangulou com sua garra adunca,
Mas, que eu venero sempre e não esqueço nunca,
Cantando, a soluçar, nos versos que componho...

Mudei! Sei que mudei e que mudei demais!
Pois que não trago em mim a flama e aquele ardor
Do moço que já fui, sonhando aquele amor
Que queima como o sol dos dias tropicais...

Mudei, pois que mudar é lei universal
Da qual jamais fugimos, minha doce amada.
Acaso o anoitecer se iguala à madrugada?
A primavera ao inverno te parece igual?

É certo que mudei! Que importa a mutação
Quando se mudam juntos, como nós mudamos.
Eu tinha vinte anos quando nos casamos,
Quando, a sorrir, depus minh’alma e o coração.

Aos pés de quem seria aos dezessete anos
Meu lindo céu azul! Meu madrugar na serra!
Raio de luz brilhante que tranqüilo erra
No chão do meu viver, sem charcos nem pantanos!

É certo que mudei! Que tu mudaste, é certo!
Não sei se vale a pena nós pensarmos nisso,
Se inalterado temos nosso compromisso,
Se muito já passou e o fim sentimos perto.

Melhor é não olharmos para as cicatrizes
Que a vida nos deixou, alheia à nossa dor...
Melhor e cultuar, carregar num andor,
Como se fora um Deus nossas horas felizes...


Junho de 1967.

pantanos= Forma originária de pântano.
Antonio Lycério Pompeo de Barros
Enviado por Antonio Lycério Pompeo de Barros em 22/12/2008
Reeditado em 28/03/2009
Código do texto: T1347767
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