RASCUNHOS

Vá, parta,

[desolhe-me]

não torça mais teu pescoço

para não assistir

o despedaçar

deste amor com gosto de olhar.

Por ti fiquei

[poucos dias]

a pintar os cabelos

a raspar o bigode e a barba

como se estivessem caindo de maduros

ou gastos pela idade

à procura de uma idiota grama de juventude.

Sem ti à vista

[desenruguei]

e, passado, quase fiquei

ao perceber que as rugas dos quarenta não vinham

e nem a pele fresca de quando aos vinte

em busca do tempo que não sei.

Tua nova idade

[comparada à minha]

assaltou-me muros,

muros que nem meus cães ferozes, latindo,

gritariam: “Volte!”

Vá, parta,

[se quiseres, volte]

pela porta que abriu sem se fechar

com medo da falta

do quebrar as nozes, sozinhos,

na noite da noite de Natal.

Vá, parta,

[sem comigo junto]

com meu riso triste mudando de assunto

ao perceber que o riso antigo

não era só de alegria

[e sim, conjunto]

de tanto sorrisos havido há poucos instantes atrás.

Vá, parta,

rabisques-me

[se houver amanhã]

quando passares todo meu passado a limpo,

sem devolver-te em rascunhos.