Essencial

A estrada era um canal entre lagos,

o poente devorado pelas aves (ou tudo é invenção!) -

ouço a cicatriz das ondas urbanas. Sonhava deitado na penumbra de um tempo líquido num país em frente ao mar. Sobre a relva é possível inscrever o céu na ardência das pálpebras. A atmosfera oscila por sombras inquietas, penso em personagens que deslizam como folhas

nos espelhos. Por aqui a existência foi pintada no essencial,

designa-a o friso dos corpos envoltos

pelas margens transparentes da neblina.

A estrada prolonga-se e enverga as árvores como a luz ao anoitecer

no limiar dos bosques. As janelas estão abertas sob o frio verdadeiro e invento-te (com as aves) suspensa nas vestes brancas da tua claridade perene.

Desenho um cenário, a respiração volve-me a um lugar autêntico,

sorvendo a água pelos filtros do mundo ou os olhos quase crepusculares na cúpula desse instante. Contemplo o que me ofusca, a moldura onde os dedos cavam outros dedos ou sinais, quando as linhas oblíquas ascendem mais longe que as asas. Minha fala. E do vento que não disse, sei dos patamares longínquos em que corre a voz mais profunda no eco das veias.

Por aqui a existência foi pintada no essencial.