O TERCEIRO INSTANTE
Antes de sentir
minha reação gesto a gesto,
por amor me gastei incompreensivelmente.
Antes de despir
minha nudez peça por peça,
por amor me entreguei envergonhadamente.
Parceira,
no primeiro encontro ouvimos, sem querer, o Chico,
quando, perdidamente, beijamo-nos atrás da porta
aos sustos e sobressaltos do amor em pânico.
Antes de nascer,
o gostar do beijo pelo beijo
desencontrou os lábios momentaneamente.
Antes de sofrer,
a solidão corpo sem corpo
desenterrou os cadáveres acaloradamente.
Parceira,
o violão do Orfeu nem solou no segundo encontro
quando, perdidamente, despertávamos perigos
aos acertos e aos riscos da música a compor.
Antes de vir morar comigo,
abra a fivela da mala e pise nua no tapete
que alcançou nossos passos na estrada pelo andar de pés no chão;
teremos que não temer a nada, principalmente às caixas de naftalina.
Antes de conquistar o espaço,
prove todos os frios estocados na geladeira:
do queijo mofado fora do prato até a torta azeda do casamento gasto;
teremos medo da colher, sem gesto, endurecida na taboca do sorvete.
Parceira,
posso te chamar de amante no terceiro instante?
Ainda não fizemos filhos,
ainda não publicamos textos,
ainda sequer plantamos sonhos...
Mas seus olhos, derradeiros e perplexos,
me vêem cristalino em nós, no amanhã próximo e distante!.