A SERENATA DO SANTO
Este ano,
Matilde enterrou o Santo.
Por mais que a bananeira cresça
ela alvejou as nódoas das facas,
a bacia de amendoim, o milho de José,
jenipapos em infusão, a canjica no quintal
e as velas em procissão sem pavios acesos.
João Honorato, cantador,
frustado poeta com voz de repente
estranhou a fachada fechada da casa
onde comandou o coro por doze trezenas.
Este ano, Matilde
não deu nome ao noivo.
Por mais que houvesse fome
não gastou as mãos na cozinha,
não fez gosto de choro aos devotos,
nem o desgosto da voz já sem ladainha
e refez os altares das mulheres quase sós.
Em sua porta,
em cada noite dos doze dias,
João Honorato respeitava o silencio,
gastava um olhar vermelho de licor ruim
na fachada amarela-barata, silenciosa casa
de Matilde dos Reis, Santantoneira tão festejada.
No último dia,
talvez o décimo terceiro,
pensando estar sepultada
a trezena, os luto de Matilde,
bem embaixinho da sua janela,
João Honorato acordou toda a cidade:
Antônio da Feira, com licor do ano passado
Juliana do Milho, com um tacho de canjica fresca
Eufrásia, a beata, com a fé das velas apagadas.
E, comovido, João Honorato, sem platéia de Matilde,
entoou, quem sabe, sua última canção e, homenagem.
No quarto,
dormido para a calçada,
Matilde dos Reis acordou
na décima segunda lágrima.
Foi para a cozinha, gastou as mãos,
foi para o quintal, desenterrou o Santo,
abriu todo o ferrolho da janela, e viu Honorato
com os olhos em lágrimas pedindo para entrar.
No ano que vem a feira será mais livre,
no ano que vem o altar estará mais cheio,
no ano que vem terá mais canjica e licor,
no ano que vem voltará de novo a trezena,
no ano que vem, o cantador, Honorato
não precisará vir para poder entrar.