A POSSE DE NADA
Os caminhos que contém meus pés nesta viagem
já se retraem desejando outros passantes.
As tardes que se repetem há muito com seu por-do-sol
já não comportam o meu olhar
encompridado para o horizonte.
O canto dos pássaros trazendo alegria,
já se retrai à presença dos meus ouvidos.
As tuas mãos que se enterneciam ao toque das minhas
já se diluiram na bruma do tempo.
Inda agorinha tu dizias do contraste da cor da nossa pele,
a tua mão sobre a minha, o encontro dos olhares,
inda agorinha, descobríamos após tantos anos
o quanto podíamos ser felizes...
e agora resto eu
ímpar
deserdada
esboço ao vento
flor que já se abriu em auroras
e não consegue
se render ao refúgio do ocaso.
Busco em outras pessoas uma primavera
de papel crepon?
Juntando meus pedaços
formando mal sustentada imagem
estarei fingindo que posso recomeçar?
Existem muitos remendos nesta que um dia foi
inteira e tão pretensiosamente bela
e que agora finge não lembrar de sua sorte
já lançada
particípio mais do que passado
reservas esgotadas e sobre-vida
de risco não calculado
mutação em andamento
ave nostálgica em
derradeiro vôo de tudo ou nada
viajante com bagagem de mão, apenas,
pra curtas estadas
delírios de chama em
derradeiro clarão
nas horas do amor sem promessas!
Imagem borrada no espelho do quarto sombrio,
luz do sol projetada em renda através da vidraça
A boca em luz exposta, leve tremor nas pálpebras
ao longe nostálgico, o apito de um trem...
uma porta se abre às minhas costas
e a tarde finda, mansamente, sobre a mesa da sala...