Folhas Azuis I

"Escrevo em apontamentos palavras que nunca vou decifrar."

Carlos Frazão

Escrevo em apontamentos palavras que nunca vou decifrar, escolher nomes impróprios para delirar na noite. Conduzem-me os dedos ágeis em folhas azuis, me reconheço, arde a palavra na infusão das veias. No entanto,

as páginas deslizam por uma hora, aquele momento mais límpido onde o corpo ondula. Autêntico o que fica por dizer, a impossibilidade de olhar de frente a luz que vai, volto os ombros para o poente leve,

somos o hábito que descortina o destino. Descreve-me as sílabas em silêncio, as frases distantes que não soube ler, qualquer tarde em que se anunciasse o vento de existir. Ou os dedos

perscrutassem o longo vale de um aceno feliz,

quase como se fosse possível sentir naquele espaço o lume em redor dos lábios – outra vez.

E as folhas azuis esvoaçam, confundo-me com as aves indecifráveis ou palavras nos apontamentos de um nome próprio, aqui: na vocação:

do delírio: da noite: