O ASTRONAUTA

O ASTRONAUTA

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Sobre o veludo negro do infinito

em argilácea pedra de brilhante

a Terra dos Homens era azul...

Eu quis comunicar-me com o mundo

por que a grande resposta estava nele

(meu corpo poluía o firmamento

e quebrava a harmonia do Cosmo)

por que não tinha sentido conquistar

além-de-nós a flor que prova a vida.

Mas os Homens só escutam o que querem

e a vasta câmara cósmica do vácuo

repelia meu corpo estranho e sestro

de impuras ambições desintegradas.

E o estado-puro do espaço-nada

coibia-me o plano da conquista,

sendo o infinito é a total ausência

da noção que nos faz deuses,

sendo escravos.

Eu não devia nunca ter partido

com grave densidade de memória

sobre guerras miséria e desamor.

Eu devia fingir não-ser humano

para enganar a Deus que o amor habita,

mesmo na argila que se via ao longe

no conjunto harmônico do Universo:

origem da vida azul envolta

em nebulosa branca de paz

(ou num crepúsculo de sangue).

Queria dar a grande resposta,

mas sempre há torres mudando a trajetória.

A guerra é campo de gravidade

do planeta Morte

onde se cumpre em noites e sombras

o claro sol das manhãs

e ventres geram centauros

e mercenários defecam ouro

no nome monstro de Deus.

Mas era impossível.

(No espaço a Terra girava

a fome numa redoma

e o coração se esquecia

de que era festa em meus olhos).

O contato estava interrompido.

E enfim cheguei à vida e ao pericíntio.

Pisei cascalhos penetrei cavernas

transpus em vão agudas cordilheiras

e tudo eram silêncio amargo e nada

como um sapato vazio na janela do Natal.

Enclausurada nessa ausência cósmica

das indevidas invasões armadas

fui cidadela super-habitada

por invisíveis monstros abissais...

Estava aí que a Liberdade

é poder escutar uma canção...

E o mundo mudo-de-amor já falava

em “flor espacial” que tudo prova (!).

Por isso caminhei sobre as feridas

de um campo estéril de só flores mortas.

Vi purulentas chagas de crateras

segregando poeira e me prostrei

sobre as cinzas dos “Ai de vós Jerusaléns!”

Mas eu queria a flor que alucinava

esses sarcófagos humanos,

a rosa filha do fogo e da água

a prova científica do amor

resposta para a fome dos irmãos.

Não era flor o que eu queria

– era o Universo.

E essa rosa só existia

na argila azul do infinito.

Reverti os motores e a vida

no corredor de entrada dos dias

e assim que amerissei no azul regaço

da prostituta que chamam de Esperança,

a humanidade toda estava dentro dela

e seu olhar morria como a luz desiste

de brilhar no céu da guerra contra a flor

que além da Terra não existe.

Em suma, eu vos devolvo o mapa simples

do amor que se debruça em sua espera.

Dou-vos ferida a carne para o corte

e a fronte ao golpe da sabedoria.

Necessária a inocência dos cordeiros

pelos caminhos da resposta exata.

Somente com os pés sobre o seu chão

e quando a argila não cheirar à guerra

e a flor voltar a ser apenas flor

é que seremos DEUSES sobre a Terra.

Afonso Estebanez

(Prêmio “Troféu Casimiro de Abreu” do II Torneio Nacional da Poesia Falada –1969 – Governo do Estado do Rio de Janeiro – Secretaria de Educação e Cultura – Departamento de Difusão Cultural)

Afonso Estebanez
Enviado por Afonso Estebanez em 20/11/2008
Código do texto: T1294750
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