CARTA AO PAPAI NOEL
Desculpa-me se não escrevo poesias, pois na minha vida não há;
Drumonnd, Vinícius aqui se chamam Chocolate e Ferrugem;
Os livros da biblioteca não são coletes e heróis negros lá não há;
O professor é o tempo; a lição, a vida; o livro é a coragem;
Minha comunidade não é civilização, ou aquilo que conceituam;
A carta-magna varia de calibre, ser juiz não requer tanto tempo;
Existe isonomia, e dois destinos certos: purgatório ou o céu;
É um mundo de ilusões tóxicas, a realidade é assustadora;
Somos um ninho de cobras cercado de águias capitalistas;
Somos uma ilha de maconha cercada por um mar de viciados;
Somos a ferida que sangra no peito de um sistema dito panacéia,
Somos sobreviventes dos terremotos revolucionários industriais;
Sou o choro da minha mãe, a amargura dos meus filhos;
Sou um agricultor sem terra, sou um poeta sem poesia;
Sou um aristocrata com demagogia, sou o grito da noite;
Sou a ossada do morro, sou o alvo de políticos e terroristas;
Sou a cura do rico, sou o coração transplantado;
Sou o voto valioso de um julgamento julgado;
Sou notícia e capa de jornal, sou o defunto deitado;
Sou tema de filme, sou o protagonista não remunerado;
Sou minoria, estereotipado rotulado de dissidente;
Sou um estúpido sonhador que acredita na tradição;
Sou o neto que da minha avó ouvia: peça a ele um presente;
Sou um velho louco que do nordeste vêm meu antecedente;
Sou aquela estrela de pouco brilho, que você despreza;
Sou morador daquele barraco a luz de vela;
Sou aquele que na noite de 25 na rua te espera;
Sou aquele que usa seu saco vazio pra se aquecer;
Não quero presente, nem comoção, mas sua atenção;
Deixa-me ser apenas uma de suas hienas;
Deixa-me voar por este mundo que desconheço;
Deixa-me sentir a alegria de um sorriso de criança;
Ao terminarmos nossa missão, suba bem alto;
Solte-me em meio ao clarão dos fogos;
Quiçá toda aquela luz não ilumine meu coração;
E morrerei feliz, pois destruirei a escuridão.