CANÇÃO DO GAROTO E DO VELHO

O velho e o garoto
seguiam pela estrada,
de sorrisos brandos
e de mãos dadas,
o velho avô, o garoto neto,
seguiam pela estrada.

Na cabeça do garoto
o futuro perfeito brilhava,
seria grande igual seu avô,
seria o homem que comandava,
o garoto pequeno, o velho grande,
seguiam pela estrada.

Na cabeça do velho
idéias contrárias se passavam,
poderia ter sido muito mais,
do que aquele homem que alí estava,
o garoto feliz, o velho amargurado,
seguiam pela estrada.






UMA AMIGA DIFERENTE



            CHIQUINHA
 
A AMIGA DIFERENTE
 
 
                 J.B.ROMANI
 
 
                   SÃO PAULO
BRASIL
2021
 
 
 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
              (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
 
 
Romani, J. B.
Chiquinha
A amiga diferente / J. B. Romani. --  -- Cotia, SP :
Ed. do Autor, 2020. --
 ISBN  978-65-00-15050-6.
Poesia –    ficção e contos brasileiros. Título
Título. II. Série.
20-4959                  CDD   - 028.5 
 
 
  Índices para catálogo sistemático:
1. :ficção e contos brasileiros. B869 -3
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
                 CHIQUINHA
 
A AMIGA DIFERENTE
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Liana  olhava  os  patos  que  nadavam  tranquilos  no lago, a vontade de nadar ela tinha resolvido, e aqui para nós, ela nadava muito bem.
Mesmo tendo nascida com apenas uma perna, ela se enturmava sem grandes dificuldades com as outras crianças, claro que em alguns momentos a vontade de ser como as outras deixava brotar uma certa tristeza, mas   quando alguém a olhava com sentimento de pena ela fingia não ver.
Onze anos, tinha mais planos na cabeça do que cabelo, uma família unida e apesar de não ter conhecido a avó, seu avô era o amigo e parceiro que toda criança gostaria de ter. Morava num sítio que parecia ter saído de um conto de fadas, lago, muitas frutas, flores, que sua família e principalmente seu avô cuidavam com uma dedicação imensa, e cuidava também dela como se fosse um presente do Criador.
O avô era uma outra história, seu pai sempre dizia:
- Pede para o vô contar uma história e você vai ver o que é imaginação. E quando ajudava o avô que sempre estava em alguma atividade, Lia como era chamada divertia-se com as histórias que ele contava dizendo que a maioria era verdadeira.
E quantas vezes ela saiu impressionada com alguns detalhes que ele inventava.
 
Início de Janeiro, o Sol de verão iluminava a manhã quando Lia saiu para ver tudo lá fora.
As férias da escola mudavam a rotina, agora era mais tempo para ver as coisas que faziam parte de sua vida, o lago, a varanda, os animais do sítio, mais tempo com a mãe, com o avô.
- Quem vai passear de cavalo?
  Levanta a mão!
A voz do avô anunciava o primeiro divertimento do dia...E ele já estava com a mão levantada.
O braço de Lia levantou imediatamente a mão com o sim que o avô já esperava.
Saíram a passeio, Atlas o cavalo de Lia de grandioso só tinha o nome, era bem menor que os outros, mas sua calma era exatamente o que ela precisava, e o carinho como era tratado por ela firmava essa parceria perfeita.
Vamos parar um pouco aqui na beira do rio disse o avô.
Aí vem história Lia pensou, e acertou.
Ele estendeu um pano no chão, sentaram-se, retirou algumas frutas de uma sacola e o palco estava pronto.
 
- Este rio é muito antigo e vem de longe, sei que tem duas cachoeiras, já fui até a primeira, mas depois o mato é fechado e a subida é muito difícil, então eu voltei, parece que poucas pessoas chegaram até a segunda cachoeira e o rio não nasce ali, ele vem se formando de muito longe daqui.
Há relatos que criaturas estranhas foram vistas nele, botos rosados, cobras diferentes, Sacis e...
 
- Eita vô...Saci no rio?
- É são histórias...
Espere um pouco...
Alberto desce até o rio, com um cacho de uva na mão, abaixa-se próximo a uma pedra e sem que Lia perceba deixa o cacho de uvas sobre a pedra.
-Já estou voltando.
As suas costas fora do alcance do olhar de Lia, um braço enfeitado com belas pulseiras e braceletes pega o cacho de uvas e desaparece na água.
- Nossa já comeu o cacho de uvas?
- Não...
Fui molhar o rosto e ele caiu na água...Que raiva!
- Os peixes vão gostar.
Muitos sorrisos.  Que coisa né!
 
- Mas onde estava a história?
 
- O Senhor disse que tinha Saci no rio...
- Bom talvez não tenha Saci, mas há assobios estranhos, ruídos, galhos que se quebram e você não vê o que foi.
Tirando essas coisas estranhas, foi aqui que eu achei o seu presente de aniversário.
 
- Na beira do rio?
- Nesta semana você faz 12 anos, e eu já quero te presentear para ser o primeiro.
- Ainda faltam 3 dias.
 
Alberto retira uma linda caixa da blusa e diz:
- Você vai ficar impressionada.
Essa caixa foi feita no reino dos duendes, as fadas encantaram o que está dentro para que quem possuísse tivesse poderes especiais.
- É?
Lia já estava curiosa o suficiente para ver o que tinha na caixa, quando a tocou sentiu algo, como
se a caixa tivesse sido feita para ela.
Abriu e sobre um forro de seda, uma pulseira era o que a caixa guardava.
Não tinha diamantes e nem pedras preciosas.
Eram sementes de alguma árvore do mato, era bonita. O fio que as unia parecia ser de ouro, mas ela não acreditou que fosse.
Ela sempre agradecia muito tudo que o avô fazia e desta vez não foi diferente afinal era uma bela pulseira.
Mas não ligou muito para o que ele disse sobre a pulseira impressioná-la, era um presente dele e isso era suficiente para fazer o seu dia feliz.
Guardou a caixa com cuidado, e guardou a impressão que era mais preciosa que a pulseira.
 
Na manhã seguinte, Lia se levanta e a primeira coisa que percebe é o presente do avô sobre a cômoda, põe a pulseira e desce para o café da manhã.
- Olha mãe...O vô  me deu de presente.
- Que linda.   São sementes?
- Acho que sim.
 Ele diz que achou na beira do rio.
Seu pai olha a pulseira com atenção e diz:
-Será que ele que fez?
Nunca vi ele fazendo essas coisas, mas é bonita.
- Eu gostei e ele vai gostar que eu gostei.
 
- Ele deve estar lá recebendo as mercadorias.
- Vou passear por aí...
- Está bem querida, se cuida.
No jardim Lia percebe que há algo diferente acontecendo, as flores têm mais brilho, os insetos parecem que dançam, e há uma menina falando com uma borboleta.
 
-OI!
A menina virou-se surpresa pela saudação.
- Você está me vendo?
- Sim e você estava falando com a borboleta.
- Não estava não.
- Não tem problema, eu também falo com o cachorro,  com o gato, apesar de que com borboleta eu ainda não  tenho conversado.
- Você está com o entregador?
- Entregador?!
- Sim o senhor que traz mercadorias para o meu pai.
A menina olhou para onde Lia apontava e...
- Sim... Nós já vamos embora, olha ele já descarregou.
- Você podia voltar amanhã, pede para ele deixar você passar o dia aqui, a cidade é perto, depois meu pai te leva embora.
- Está bem. Amanhã eu volto.
Correu até a carroça que se afastava, subiu e se foi.
 
 
Na manhã seguinte, antes mesmo de tomar o café Lia já andava pelo jardim procurando a menina.
Uma nova amiga nas férias seria maravilhoso.
Achou que ela não viria, mas lá estava ela, com um sorriso tão especial que parecia que já se conheciam há anos.
- Você veio, que ótimo, venha conhecer minha mãe.
- Acho melhor não...
- Está bem, mas espere que eu vou pegar bolo para a gente comer...
- Vou esperar.
 
Lia voltou com bolo, suco, e assim que colocou tudo sobre o banco do jardim. Disse:
Eu sou a Liana, pode me chamar de Lia.
- Eu gosto que me chamem de Fran, mas alguns me chamam de Chiquinha e de... Fran está ótimo.
- Quer bolo?
- Si quero.
Um pedaço de galho seco cai e Lia olha para o abacateiro que já tinha flores, mas nenhum fruto.
 
- Olha um macaquinho!  
Deve estar com fome...
 - Está com cara mesmo diz Fran.
- Vou dar um pedaço de bolo para ele...
Lia estende a mão com o pedaço de bolo para o macaquinho pegar.
- Vem...
Ele olha desconfiado, olha para Fran, ela faz com as mãos um sinal como querendo dizer:
E aí...Pega logo...
O macaquinho aproxima-se com jeito de arredio, mas pega o pedaço de bolo...
Lia sorri... Muito bem......
O macaquinho responde ...
- Obrigado.
- Que!      Lia põem a mão no ombro de Fran....
O macaquinho falou obrigado.
- Hã...
- O macaquinho falou obrigado.
- Que bom... Educado né.
- Mas...
- Olhe Diz Fran apontando para um lado... Eu moro lá, depois daquele ipê amarelo.
- Depois do rio?  Lia pergunta. Ainda olhando para o macaquinho que se afasta.
- É, mas não é longe do rio.
- Gostaria de conhecer sua casa.
- Se a sua mãe deixar te levo lá.
Olá, meninas!
Seu Alberto o avô de Lia se aproxima, Fran não se surpreendeu dessa vez.
 
- Já tomaram o café da manhã?
- Sim vô.
- E seu pessoal Fran como estão?
- Estão bem seu Alberto.
- Será que a mãe me deixa ir até à casa da Fran?
- Deixa sim. Já falei com ela.
Mas não volte muito tarde.
 - Que bom só vou pegar algumas coisas.
 
Lia entra, pega uma mochila e abraça sua mãe.
- Obrigado mãe,
- Sua amiguinha não quer mesmo entrar?
- Não, acho que ela tem vergonha, mas ela conversa com o vô.
- Depois convide ela para o seu aniversário.
- Sim...Sim.
 
- Temos que ir até à cidade Fran?
 - Não vamos pelo rio.
 
-Um pequeno bote estava amarrado as margens do rio, Fran subiu com agilidade e Lia tomando os cuidados que sua prótese exigia, apesar de estar muito bem adaptada aquela extensão de sua perna.
Fran remava com muita facilidade e apesar de Lia querer ajudar ela dispensou sua ajuda.
- Parece mais difícil quando os outros sobem o rio.
- É jeito. Disse Fran com um sorriso muito bonito.
-Faz tempo que você mora aqui perto?
- Desde que nasci.
 
Algumas libélulas voavam ao lado do barco, como se o seguissem, dançavam alegremente no ar como se fosse um dia especial.
A borboleta que estava no dia anterior no jardim se aproxima, Lia Estende o braço e ela pousa sobre ele.
 
- Olá dona borboleta!
- Fran diz toda sorridente.
Você está falando com a borboleta.
- Estou. Não pode?
- Pode sim. E murmura...
Você vai ver a hora que ela começar a falar.
- O que foi?
- Eu disse que ela gosta de conversar.
-Eu queria ter te conhecido antes Fran.
- Não era possível, sem a pulseira.
- O que tem a ver a pulseira?
-Tudo. É que...
Olha já estamos chegando.
 
Fran apontava uma moita ao lado, parecia ser um afluente que encontrava o rio, o bote não passaria ali, mas ela o levava naquela direção.
Ao se aproximarem uma passagem abriu na moita
e o bote passou sem nenhum problema,
Lia balançou a cabeça no modo” não acredito”. Desceram do bote e seguiram pela beira do rio, as margens do rio estavam sem nada que atrapalhasse a passagem,
 porém quando olhou para trás Lia percebeu que o mato tampava o caminho, galhos e cipós se entrelaçavam e com muita dificuldade alguém passaria por ali.
- Fran... Os galhos estão fechando o caminho.
- O que?
- Olhe os galhos fecharam as margens do rio.
- Tem certeza?
- Sim olhe.
Ah... Nossa, você se preocupa com cada coisa.
-Mas...
Na caminhada Fran olha para um tronco seco e diz:
- Oi Nic!
-Tá falando com quem?
No tronco seco totalmente camuflada uma ave abre dois grandes olhos amarelados.
- Um urutau, diz Lia admirada, pois ainda não tinha visto um deles tão perto.
- Nic, ele prefere esse nome.
- Certo: Oi Nic como você é lindo!
- Ei!  Também não precisa exagerar na simpatia.
- Mas eu gosto deles.
- Vaamos.
- Tchau Nic.
Bocejando com sua boca enorme Nic murmura::
Tchauuuu.
Andando Lia imitou o canto de urutau que as vezes ela ouvia em sua casa.
- UUU UU UU
Está bem parecido disse Fram.
 Olhe já estamos chegando.
Fran apontava numa direção onde uma pequena clareira na mata passava totalmente despercebida
pelas poucas pessoas que subissem o rio.
Lia imaginou que eles tivessem outros caminhos que levassem à cidade.
Mas agora é conhecer a família de Fran.
 
- Olhe, não ligue se algum deles te olhar diferente,
eles podem não acreditar que você está aqui e
até mesmo que consegue vê-los.
Lia arregalou os olhos, fixou novamente o olhar para certificar-se que estava realmente vendo o que vinha na direção delas.
- Fran olhe... São sacis!
- Oi pai!
- Oi filha.
E não é que ela veio mesmo.
Seja bem-vinda à nossa casa Lia.
- Eles são sacis!
- E eu também.
- Mas você...
Lia conteve-se para não dizer: Tem duas pernas, pois em nenhum momento Fran havia lhe perguntado sobre a prótese que usava.
- Você não me disse.
- Achei que não precisava.
O vô fala que vocês existem, mas eu não acreditava.
- Poucas pessoas acreditam, eles não podem nos ver.
- E eu posso?
- Com a pulseira sim.
-Nossa.
- Fiquei assustada quando você me viu no jardim, expliquei para minha mãe e ela me contou sobre a pulseira e uma profecia antiga que diz que um dia os humanos nos veriam, por isso eu voltei para sua casa para conversarmos. Se era para sermos amigas eu achei muito bom. Agora vem conhecer minha mãe.
Tenho muita coisa para te mostrar.
 
Se o pai de Fran era simpático, a mãe era a pura cordialidade.
Nenhum receio, nenhuma pergunta especulativa,
só demonstravam a felicidade por recebê-la, como se ela fosse alguém muito especial.
O presente do avô não era só uma pulseira, Lia via agora que ele havia dado a ela a ligação com um outro universo.
As histórias que ele contava, agora mostravam se reais, quando voltasse seria ela que contaria ao avô e a família que ele estava certo.  
Os Sacis existem e são maravilhosos.
 
- Vamos conhecer a aldeia!
A voz de Fran tirou a da divagação, havia um outro mundo lá fora e sim...Ela queria conhecê-lo.
 
Fran desfilava com Lia, apresentando os moradores da aldeia e como ela havia dito, alguns ainda olhavam meio desconfiados se era uma humana que estava ali, e se realmente ela estava vendo tudo.
 
Para esses ela apontava a pulseira no braço de Lia, sem que ela percebesse e a desconfiança já se transformava em abraços, sorrisos e convites para que fosse a casa de cada um.
Terá que ser outro dia, dizia Fran..
- Venha ver o treinamento.
Havia num canto da aldeia um grupo reunido.
- Venha, vamos rir dos menores.
- O que eles estão fazendo?
- Você vai ver.
Os menores (Sacis mais novos) estavam apreendendo a andar de redemoinho.
Não eram grandes redemoinhos, mas para os iniciantes eram touros a serem domados, alguns precisavam de muito incentivo para enfrentá-los.
Tinha sacizinhos que subia e .... LÁ VAMOS NÓS!
Mas alguns enfrentavam seus maiores pesadelos frente aquele vento rodopiante e o resultado era “desastroso” ou mais ou menos desastroso.
Sacizinhos jogados nos espinhos, pedras, moitas, tudo era uma grande brincadeira. No fim eram muitas risadas e gozações.
Lia não via em nenhum detalhe sinal de culpa, tristeza ou arrependimento.
Certamente o significado da vida para eles era viver e ser feliz.
-É muito difícil voar neles?
- Nem um pouco, venha.
Fran assobia, um assobio longo e agudo, que nenhum humano conseguiria fazer e um grande redemoinho se aproxima, Lia olha e diz:
- Nossa... Esse é dos grandes.
- É para dois passageiros. Vem.
 
Já iam na direção do redemoinho, quando um dos menores vem correndo com cara de choro e abraça Fran dizendo algumas palavras que Lia não entendeu.
  • Nataka kwenda na wewe.
  • Fran faz que não com a cabeça, e diz carinhosamente:
  • Hum, hum
  • Sio leo twende kesho
 
Ele olha para ela ainda mais triste, mas não fala mais nada, vai saindo devagar.
- Oh, oh... njoo hapa
Ele volta e Fran abraça-o com tanto amor que seja o que for que ele queria já estava muito bem resolvido.
- nakupenda sana
Ele volta pulando para o grupo e Fran sorri para Lia.
- Ele queria ir também...
- Por mim sem problemas.
-Hoje não...Depois eu passeio com ele.
Ele não fala a nossa...língua?
- Ainda não, mas logo aprenderá.
Fran sobe no redemoinho e estende a mão para Lia que não hesita em pegá-la, o redemoinho saí levando-a para um passeio que um humano nunca tinha feito.
 
O redemoinho passa pelo riacho espalhando a água numa coluna voadora e os raios do Sol que se
refletem nas pequenas gotas formam um arco íris
deixando uma imagem digna da assinatura de um
grande mestre.
Subindo ainda mais leva as meninas até as nuvens,
onde conseguem ver todo o vale, o sítio e até o avô de Lia cuidando de um cavalo.
Do chão ele olha o redemoinho, e faz um aceno,
 Lia menciona o fato e Fran diz:
- Não ele está tocando algum mosquito.
 
- O que há naquela pedra amarela Fran?
- É a casa do curandeiro.
 Quer conhecê-lo?
- Mas, eu posso?
 - Claro, vamos lá.
Desde que entrou na aldeia Lia carregava um sorriso no rosto e uma expressão de felicidade que encantava quem a visse, os outros habitantes sorriam emocionados com a visitante.
 
Tinha tantas perguntas e ia fazendo tentando acompanhar o que Fran explicava.
O que comiam?
O que bebiam?
Hora de dormir?
Mas ela estava com a companheira certa, Fran lembrou-se do que a mãe lhe disse há alguns dias.
Você vai conhecer alguém muito especial, trate a como se fosse parte da nossa família.
Ela esperava que fosse alguém da floresta, de uma outra aldeia, mas agora já sabia que era Lia e estava encantada com a nova amiga.
Andando pela floresta, Lia ouvia uma melodia, não percebia de onde vinha pois o som parecia que mudava de lado.
- Fran está ouvindo uma música?
- Aqui? Agora?
-É parece que está nos seguindo.
- E é bonita?
É linda, mas de onde vem?
Fran olha para um lado e diz:
- Está bem... Já podem aparecer.
E os olhos de Lia se encheram de encanto vendo pequenas fadas que voavam cantando e se divertindo com a admiração dela.
- Que bom que você gostou da nossa música. Gostei mesmo, podem cantar o dia inteiro.
- Não diga isso... Fran disse baixinho.
As fadas fizeram um desenho no ar e se despediram desaparecendo.
Eu não posso vê-las Fran?
- Talvez a pulseira tenha limites.
- Eu gostaria de vê-las novamente.
 
 
- Do jeito que elas gostam de aparecer,
  você não terá nenhuma dificuldade.
- Você vive muito feliz aqui, não é?
- Sim, a floresta nos dá o que precisamos, então...
- Agora você será mais feliz ainda.
- Por quê?
- Agora você é minha amiga.
- Sorrisos dançaram no ar,
 
A amizade é uma árvore com lindas flores perfumadas e frutos deliciosos.
Ali estava o curandeiro.
Não era muito velho, mas a capa que usava era impressionante.
Sentado numa pedra-trono ele cumprimentou Fran.
Olá  Fran... Veio me visitar?
Você não está com cara de problema.
- Vim lhe apresentar minha nova amiga, a Lia.
Lia se adianta e estende a mão para o curandeiro...
Ele diz para Fran:
- Fale para ela entrar.
 
Lia olha para Fran... Ele não me vê.
Fran olha para o curandeiro e sorri.
Ele também sorri e estende os braços para abraçar Lia.
- Te vejo sim e há quanto tempo eu queria te ver.
 
Lia fez algumas perguntas e o curandeiro deu algumas explicações, sobre o que fazia e sobre o improvável, mas profetizado encontro dela com Fran.
Tudo era muito antigo e fragmentado, mas uma frase inteira sobreviveu ao tempo, até mesmo virando piada entre os sacis.
 
 
E ainda que pareça impossível,
chegará um dia em que Sacis e Humanos
ligados por uma pulseira de sementes
se reunirão e dividirão a mesma refeição.
 
- Ei vamos ainda temos que passar na casa da Yara.
- Mande minhas lembranças a ela.
Caminhavam na direção do rio e Lia solta um pequeno grito.
 - O que foi?
 
- Alguma coisa me picou aqui no braço.
Fran olha para um pequeno arbusto com cara de brava.
- Ei!  Venha cá.
Um pequeno pernilongo sai voando e pousa em sua mão.
- Picar minha amiga que veio me visitar!
*  Olha o braço dela.
- O que que tem?
* Não resisti. Estava com fome.
- Hum... E agora o que se faz?
O pernilongo se aproxima do rosto de Lia e numa voz aguda um pedido de desculpas é feito.
 
Fran pega algumas pequenas folhas num cipó amassa e passa no local picado.
 - Já vai melhorar...Tem o lado bom.
- Que lado bom?
-  Agora vocês são parentes.
- Do pernilongo.
-  É tem o mesmo sangue.
Lia olha sério para ela e começa a rir.
-  E já pode comprar os presentes.
Que presentes?!
- Duas semanas e já vai ter um monte de sobrinhos
 te procurando.
- Dê que você está falando?
 - Dos filhotes dele.
- Vamos parar por aqui, que essa conversa já está me preocupando.
Murmuro:    Sobrinhos pernilongos.
 Era o que me faltava.
Fran, como é o seu dia?
- Ah...Faço tantas coisas, principalmente passear.
Minha mãe disse que eu estava indo muito na sua
casa.
- O sítio tem bastante coisa para fazer, mesmo sozinha.
- A floresta também, mas dificilmente se está sozinho.
As árvores querem conversar, os pássaros, borboletas... Você viu né.
E as histórias que Yara conta, não faltam assuntos nas visitas e ainda tenho alguns amigos e amigas que não estão por aqui hoje.
- Que bom. Assim o tempo passa rápido.
- Hoje eu não quero que ele passe rápido Lia.
- Nem eu.
 
Mais perguntas e sorrisos, no caminho para à casa de Yara, um belo jardim com muitas flores que Lia nunca tinha visto decora a entrada de uma casa.
Quem mora ali certamente é um saci que leva uma vida muito boa.
-Que lindas flores, quem mora aqui?
- É a casa do poeta.
- Posso conhecê-lo?
 - Ele é chato.
- Está bem.
-  Vaaamos lá.
Um saci abre a porta e recebe Lia e Fran, com um sorriso de felicidade tão grande e um olhar tão brilhante ao ver Fran que Lia entendeu o jeito dela falar do poeta.
Ele era apaixonado por ela.
= Nossa Mel que surpresa, e que bom que vocês vieram, agora já tenho para quem mostrar meu último texto.
 
- Essa é a Lia, Lia esse é o Ju.
Pode mostrar o que você escreveu que ela gosta de tudo.
- É que as vezes eu escrevo algumas coisas também.
 
= É uma poesia meio romântica.
- Eu adoro.
=Está bem.
 
 
 
 
 
 
 
 
Quando o dia amanhece,
o Sol espia antes de sair
para ver se ela já não anda pelo jardim.
 
Se ela canta, os pássaros se calam para ouvir,
até a mais linda das flores
não se abre quando ela está por perto.
 
Eu queria abraçá-la...
 
Mas ela é estrela e eu não brilho,
ela é pássaro e eu não voo,
ela é céu e eu sou chão.
 
 
Nossa!  Que lindo...
= Obrigado Lia que bom que pelo menos você gostou.
- É bonita.
= Tudo bem Mel... Obrigado por terem vindo.
 
- Temos que ir.
= Quando quiserem voltar, apareçam.
 
No caminho Lia olha para Fran e diz:
Eu queria abraçá-la,
mas ela é estrela e eu não brilho,
ela é pássaro e eu não voo.
 
- Pode parar com isso.
 
- É só uma poesia. Mel...
- É, descobriu né?
- Ela é céu e eu sou chão.
- Você não existe!
E riram, riram muito...
Os laços que as uniram eram a certeza que essa amizade não seria passageira e sim duradoura como o vento e as lendas.
-Tenho que voltar disse Lia a Fran.
Minha mãe ficará preocupada se eu voltar muito tarde.
- Não ficará não.  Eu disse ao seu avô que você almoçaria com a gente.
Mas nós vamos almoçar fora.
- E onde almoçaremos?
- Vamos a casa de uma amiga muito especial.
-É longe?
- Não é só subir o rio. Você sabe remar?
- Mais prá menos.
- Vai sobrar para mim.
- Acho que  arrumei uma irmã...
E sorriram muito.
 
Remando rio acima Fran parecia não fazer nenhum esforço, Lia vendo que o bote subia com facilidade olha para a água e vê o que acontecia, alguns botos rosados empurravam a embarcação.
Olhou para Fran mostrando a água e ela fez aquela cara de:  EU NÃO PEDI.  Eles que estão fazendo. 
 
Lia começava a entender que não era o mundo dos homens que estava ali.
Havia união em todas as ações, havia harmonia, e viver o momento, participar, ajudar, era a regra, não como uma lei que tinha que ser respeitada, mas como a real forma de viver.
 Eu vou aonde você vai, eu sou o que você é.
Pensou no mundo que estava além das cercas do sítio, via as notícias, apesar de sua família tentar poupá-la das coisas ruins, a maldade, a miséria, o desrespeito a natureza não eram desconhecidos.
 
Ergueu os olhos e Fran a observava em silencio, o bote estava parado.
 - Chegamos.
- Desculpe. Eu viajei....
- Mas voltou?
- Sim, sim
 - Quer um abraço?
E as duas se abraçaram, não como duas amigas, nem como duas irmãs, mas como duas almas de mundos diferentes que formavam um único ser.
 
Quando se separaram a borboleta azulada pousou
 sobre a mão de Lia e disse:
- Estou feliz em vê-la outra vez.
-Eu também estou.  Disse Lia.
 
Fran com uma cara engraçada murmurou.
Menina que fala com borboletas... Sei não.
- Eu ouvi heim...
E novos sorrisos encheram os olhares de brilho.
 
O bote havia parado entre algumas pedras na frente de uma caverna alagada pelas águas do rio.
Fran olhou para o interior e chamou.
- Yara...
Uma voz lá de dentro disse:
- Ela saiu.
 - E onde ela foi?
Está aqui, disse a mesma voz agora do lado de fora da caverna ao lado do barco.
Uma bela sereia, era a dona de voz.
 Lia sorriu para ela que devolveu o sorriso e sem sair da água disse que podiam entrar.
No interior da caverna o dourado e o brilhante de muitas pedras mostravam que a moradora era sem dúvidas uma rainha...
Antigos baús cheios de joias colocados em locais estratégicos decoravam o ambiente numa quantidade impressionante.
Yara... A Deusa!  disse Lia.
-Ela mesma, já pode fechar a boca.
 
Na água cristalina da caverna o corpo de sereia de Yara flutuava como a deusa de todo aquele espaço.
Vocês vieram almoçar comigo, já está tudo pronto. Vamos? 
Yara não saia da água, a terra certamente não era o melhor lugar para uma sereia, mas na caverna tudo era de seu total controle, a mesa ficava ao lado da água, onde ela se apoiava mantendo sua parte peixe molhada.
- Falei para sua mãe que podia ficar para o almoço Fran, mas ela disse que ainda tinha que fazer um bolo.
Bom vejam o que vocês gostam, e vamos comer.
E podem me contar como se conheceram.
 
Durante o almoço as meninas se revezaram nas explicações que Yara ouvia muito interessada.
E por fim mencionaram até a profecia que descrevia o encontro, mas não tinham muito detalhes, inclusive sobre a pulseira que deu a Lia a possibilidade de ver e conversar com as criaturas mágicas da floresta.
 
- Bem, mas de qualquer maneira essa pulseira é muito valiosa, não acham?
- É sem ela a gente não tinha se encontrado e nem
estaríamos almoçando aqui.
- Não sei se vocês repararam eu gosto de coisas preciosas.
 - Não tinha percebido.
- Nem eu... Sorrisos.
- Então Lia tenho uma proposta para você.
Yara pega um bracelete cravejado de diamantes e
coloca sobre a mesa perto de Lia.
Eu gostaria de ficar com essa pulseira, em troca você leva este bracelete e nem precisa agradecer.
 
-Eu não posso trocar...
-  Por quê? ( Yara e Fran , ao mesmo tempo )
-Como assim Fran por quê?
Depois como eu te vejo, a borboleta azul, as libélulas, os botos, e os sacis da aldeia.
 - Bom, eu deixo você me ver.
Mas e a sua família, Eu ainda nem conheci todos,
o curandeiro, o poeta, e se eu perder todos eles.
e com um olhar muito triste.
- Não posso trocar....
Me perdoem.
 - Não vejo por que tenho que te perdoar.
- A Yara é sua amiga.
 - Pensei que ela já fosse nossa amiga.
 
- Eu desapontei vocês.
Lia não esperava a resposta de Yara.
 - Não me desapontou. Me deixou muito feliz,
saber que você valoriza mais os amigos, que algumas pedras brilhantes, nada poderia ser mais gratificante, e nada deixaria em mim uma lembrança mais marcante que essa.
Fran você tem muito mais que uma amiga,
e se me der a honra de ser sua amiga Lia eu ficarei eternamente agradecida.
 
Foram abraços apertados, cheios de carinho, que encerraram o almoço da Sacizinha, da humana e da deusa da água.
 
Estavam a poucos metros da caverna quando Fran disse:
-  Acho que aquele bracelete de diamantes ficaria muito bonito em meu braço.
- Se você tivesse me dito que queria, eu teria trocado.
- Mesmo?
- De jeito nenhum, aí você ficaria muito elegante e não apareceria lá em casa.
 -Vou me conformar.
- Ouvi que a mãe de alguém ia fazer um bolo especial.
- É mesmo, vamos que já deve estar pronto.
Voltando elas passam novamente pelo tronco apodrecido onde Nic o urutau dormia tranquilamente.
Lia para Fran com o Braço e pede para que ela fique em silencio com o indicador na boca, esconde-se atrás de uma arvore e faz o canto do urutau.
-UUU  UU UU
 
Nic arregala seus olhos amarelados e busca o local do canto...
As “meninas" saem do esconderijo e dão risadas.
Desculpe Nic...Eu não resisti.   Lia diz.
Nic esboça um sorriso.
Está bem ... Muito engraçado o o o o o ( bocejo )
E fecha os olhos murmurando.... Até mais.
- Eu te amo Nic.
- Nós te amamos.
Um grande risco de sorriso aparece no bico de Nic e ele dorme novamente.
Na casa de Fran, não só o bolo estava pronto, como todos os membros da aldeia estavam reunidos para celebrar e se despedir de Lia, que era o cumprimento da profecia aguardado por tanto tempo.
Sua mãe explicou que tinham que comemorar pois um tempo de maravilhas estava começando.
 
 Após todas as conversas e acertos para as futuras visitas, Lia se despediu prometendo que qualquer um deles que aparecesse em sua casa, pelo menos por ela seria tão bem recebido como ela foi e que faria o melhor possível para que todas as pessoas pensassem com carinho nos sacis, e nos outros habitantes da floresta, protegendo as árvores, pois certamente uma ligação muito forte existe entre todas as criaturas.
Os pequenos sacis diziam a Lia, quando você quiser voltar nós vamos te buscar. Fran olhava com um sorriso tão meigo que Lia já estava sentindo saudades antes de partir.
 
- Fran, eu não posso convidar todos para a minha casa amanhã, acho que é preciso uma preparação.
Mas eu gostaria muito que você e sua família fossem, claro, se eles quiserem.
O que você acha?
- Tenho que conversar com eles,
Eu posso aparecer que ninguém se assusta, mas um casal de sacis é algo que eles nunca viram.
- Está certa.
Se você for eu já ficarei muito feliz.
 
Entraram no bote e desceram o rio. Ao desembarcar Lia abraçou novamente a amiga saci.
- Obrigado.   Foi o dia mais incrível da minha vida.
-  E da minha também.
- Até amanhã?
- Acredito que sim.
- Venha para o almoço, depois você fica até a hora que quiser.
 
Os pais de Fran acharam melhor dar um tempo para ver o resultado da visita de Lia na aldeia, e as novidades que Lia traria quando voltasse.
Mas concordaram que ela poderia passar o dia no sítio, ver a reação dos pais, e analisar com o Sr. Alberto o resultado de tudo que Lia contaria a eles.
E ela contou tudo.
Seu avô dizia:
- É como eu imaginava.
Sua mãe concordava e achava interessante.
Seu pai achou que o avô contou histórias demais para ela e perguntou:
 
E essa sua amiga saci, vem aqui amanhã?
- Ela disse que vem.
- Então vamos esperar.
 
 - O que você achou Elias?
- São muitos detalhes, se ela estiver inventando dará um belo livro.
= Eu sabia que você não acreditaria nela.
 -   Bom, é só até amanhã, não é?
 
A amiga é a prova.
O DIA SEGUINTE
O DIA DO ANIVERSÁRIO
O DIA DA VISITA DE FRAN
O DIA DA PROVA
UM GRANDE BOLO DE CHOCOLATE.
 
Os pais de Lia não convidaram ninguém para o almoço, para que não tivessem que explicar as histórias da filha, antes de verificarem a existência dessa menina saci.
A mesa estava enfeitada e uma refeição preparada
com carinho por dona Ana já estava pronta.
Mas já era quase meio-dia.
Lia estava triste na beira do rio.
 
Na sala.
Querida, acho que não vem nenhuma saci.
 – Podemos esperar um pouco.
- Sem dúvida e caso não venha começarei a escrever essa história, com ela claro.  É bem interessante.
 
Ei Lia!   Olhe quem está aqui!
Saindo do jardim com o Sr. Alberto, como se saísse de uma história encantada, ali estava a sua amiga, com aquele sorriso que deixava a mais bela das flores bem acanhada.
- Você veio!   E seus pais?
- Eles preferiram esperar um pouco mais.
- Certo... Vamos, vamos, mãe, pai, ela chegou.
 
Dona Ana e seu Elias olharam a menina que entrava.
Uma linda menina e Lia fez as apresentações.
- Esta é Fran, a minha amiga saci que eu lhes falei.
Dona Ana abanou a cabeça meio constrangida com a apresentação de Lia.
 - Filha... Vem Fran, entre, entre.
O Sr. Elias também deu as boas-vindas a Fran, olhando para Lia tentando entender.
 
Dona Ana puxou a conversa, Fran, não sei como dizer, Lia contou umas histórias, mas não imaginamos que ela estava te maltratando, pensamos que eram somente histórias.
-  Ela nunca me maltratou, é mais que uma amiga para mim.
Ela disse que você era uma saci, acabou de te chamar de saci, não entendo.
Fran sentou se entre os pais de Lia, olhou para o Sr. Alberto e ele disse:
- Conte do seu jeito, do nosso é mais difícil para eles.
Ela pegou a mão da Sra. Ana e começou bem devagar.
-Eu sou uma saci, a minha família e os meus parentes também são.
 
O Sr. Elias questionou.
 Mas você não tem nada de saci.
- Tenho.  Tenho tudo e sou muito feliz por isso.
 Não sei qual o motivo, mas parecia que eu precisava ter uma ligação com o mundo de vocês, e isso aconteceu quando Lia me viu no jardim.
Os humanos não conseguem nos ver, a menos que permitimos.
E ela me viu sem que eu tivesse permitido, isso foi possível graças a pulseira que ela está usando.
A partir daí os acontecimentos correram com o conhecimento do meu povo, pois temos uma profecia que diz que um dia isso aconteceria.
Dona Ana olha para o marido e ele diz:
- Vou pegar um caderno.
Brincadeira. Vou pegar um copo de água.
Você quer?  Pergunta à esposa.
- Sim quero.
Fran conta fatos do dia anterior e eram a repetição exata de tudo que Lia lhes havia falado.
 
- Vamos almoçar e a gente vai conversando.
- Por mim está ótimo dona Ana, estou com fome.
 
Durante o almoço as amigas se revezavam nos acontecimentos do dia anterior, a riqueza de detalhes e nenhuma contradição entre o que diziam, convenciam Dona Ana que realmente havia uma ligação entre as meninas, o Sr. Elias relutava em perguntar por que Fran tinha duas pernas se era saci, mas sua filha tinha uma e não era.
Mas Fran deu a resposta que ele queria, e ele não soube se foi melhor ou pior.
Olhem, vocês precisam saber que os meus pais e ou outros são diferentes de mim.
Eles não têm as duas pernas.
-Bom, para os sacis isso é normal.
- Ninguém lá me trata diferente, quando eu percebi que Lia tinha somente uma... Posso falar?
- Claro fale... Dona Ana respondeu.
Eu queria entender isso, então passei a vir aqui no jardim de vocês para ver como ela vivia.
- Me diga uma coisa.
Nós estamos te vendo por que você está permitindo?
Sim Sr. Elias, Sim Dona Ana.
E antes que eles pudessem falar qualquer coisa
Fran foi desaparecendo na frente dos dois.
 
Uma Colher caiu e Dona Ana pois as duas mãos sobre a mesa como se precisasse de um apoio para não cair também.
- Ai meu Deus.- Oh mãe ela está aqui.
Fran voltou a aparecer e agora não tinha mais como duvidarem de que estavam na frente de alguém que saci ou não tinha habilidades que eles não entendiam.
- Eu já sabia de vocês, disse o Sr. Alberto.
Yara me deu a pulseira.
Alguns deles já me deixaram vê-los, inclusive essa linda menina que está aqui.
 
-Eu posso te chamar de menina Fran?
Eu não me importo. Nós gostamos muito do senhor.  As frutas a mais que o Sr. coloca para os pássaros, as balas, os menores adoram, tanto que quando saem eles dizem:
Vamos à casa do vô.
- Nossa!  Essa eu não esperava.
- E Yara também mandou lembranças.
 
Deixem que a Lia vai contando mais coisas para vocês e a gente vai se conhecendo melhor.
Pode ser?
Eu só peço por favor que me permitam ser amiga dela, eu não quero mais vir aqui escondida.
Uma lágrima escorreu pelo rosto de Fran.
 
E o inesperado para Dona. Ana aconteceu.
Abraçando Fran o Sr. Elias disse:
 
Não tem por que chorar Fran, não só queremos que você continue amiga dela, como seja nossa amiga também. Não vejo nada em você que seja negativo, essa história é meio complexa, mas estou vendo algumas ligações inexplicáveis, não podemos condenar o que não compreendemos.
Ana?
- Eu quero que você volte quando quiser e se quiser ficar por aqui. Já vou te arrumar um lugar.
 
Lia se levantou dizendo:  Mãe, Pai, vocês estão sendo amáveis com a Fran, mas tem uma coisa.
Vocês estão acreditando que ela é uma saci?
-  Filha... Não importa o que ela é, ela é maravilhosa, educada, como pode não ser uma boa amiga?
 
O Sr. Elias continua a conversa,
-Como foi mesmo Fran aquela história da troca da pulseira?  Parece que a Yara queria a pulseira.
- Yara é muito especial, ela não precisa de mais pulseiras, ela estava brincando com Lia, sabia que ela não trocaria nem por todos os tesouros que ela possui.
E essa Yara mora lá para cima no rio.
Sim, mas não é essa Yara. Ela é muito especial.
Desculpe.
- Tudo bem.
- Ela tem um tesouro?
E não tem perigo de ladrões, alguém fazer algum mal a ela?
- Meio difícil.
 
Não se preocupe pai, teremos muito tempo para conversar sobre Yara,  o curandeiro, o poeta,
Fran fez uma cara engraçada.
- Você falou para eles da poesia?
- Só um pedaço.
Foi uma tarde interessante, Dona. Ana se derretia com a meiguice de Fran, Lia queria mostrar tudo que tinha para a amiga e explicar tudo que fazia no sítio, na escola.
O Sr Elias olhava com atenção o local onde Fran estivera sentada tentando descobrir alguma evidência do desaparecimento da menina, mas não havia nada suspeito.
 
 - Você acha que eles acreditaram que eu sou uma saci?
- Acho que não.
 
- Eles vão acreditar.
 
-Vamos ao bolo de chocolate?
- Depois eu vou embora,
- Está bem.
 -Amanhã eu volto.
- Meu pai ainda vai te especular.
- Mas eu gostei dele.
- É o melhor pai do mundo.
- O meu também.
 
Fran se despede dos pais de Lia na frente da casa.
- Lia disse que vocês subiram o rio até sua casa.
- Sim... É mais perto.
Você vai por ele, ou quer que te levemos até algum lugar?
- Não se preocupem, eu vou pelo rio mesmo.
Fiquei muito feliz com a sua visita, volte quando quiser.
- Ela vem amanhã.
- Venho sim Lia.
Pode vir para o café, para o almoço, a hora que você quiser.
- Obrigado Dona Ana.
Amanhã Lia pode ir em casa?
Claro que sim.
Hum...Tem mais uma coisa.
- O que foi?
 
O presente da aniversariante de hoje.
Fran solta um pequeno assobio e por entre as plantas do jardim o macaquinho que Lia havia alimentado aparece com uma pequena caixa e entrega para ela.
- Obrigada.
O macaquinho emite alguns sons...
Lia diz:  Obrigada, você também.
Fran pega a caixa e dá para Lia com um abraço,
Feliz aniversário.
Lia abre a caixa e antes os olhos arregalados de sua Mãe e Pai, um bracelete do mais puro diamante é o presente que Lia acaba de receber.
- Com lembranças de Yara.
Ela está encantada com você.
- Nossa mãe...
 Isso é muito valioso.
- Parece que não, ela disse que uma menina não quis trocar por uma pulseira de sementes, e aqueles sorrisos lindos voaram pelo ar.
Os pais de Lia olhavam o bracelete, claro que não era daquela região, quem teria um bracelete, daquele e quem andaria com tantos diamantes num braço?
Com gestos de brincadeiras e um grande sorriso Fran foi se afastando...
Até amanhãããã....
 
- Onde está o seu bote?
Um tio precisou dele.
Mas tem mais jeito de ir para casa.
Deu um assobio um pouco mais forte que o primeiro, o vento balançou alguns galhos na beira do rio e um redemoinho de bom tamanho, parou ali como se esperasse algo, ou alguém.
 
3 sacis menores saltaram do redemoinho e correram na direção de Fran, viemos te buscar.
- Oi vô!
-Oi meninos.
-Oi mãe da Lia,
-Oi pai da Lia.
- Vocês não têm jeito mesmo.
Vamos para casa, outro dia vocês ficam mais.
 
Os 3 saltaram no redemoinho, Fran também saltou acenando um adeus para todos.
Dona Ana segurou o braço de seu marido, que sem palavras assistia o que estava acontecendo.
Lia e o avô acenavam para Fran e os menores que sorriam muito aproveitando o passeio.
O redemoinho saiu na direção do rio, e subiu por ele levando seus passageiros.
Na água acelerou um pouco mais a sua velocidade e o que se seguiu foi um espetáculo à parte.
Uma coluna de gotículas de água, rodopiava sobre o rio, Fran segurava a mão de um dos menores, os outros também se segurando, saíram no ar fora do redemoinho acenando para todos.
 
 

-Pai... O senhor está vendo isso?
-Sim Elias...
Esses menores são danados...E maravilhosos.
 
 
Nos dias que se passaram Lia e Fran continuaram se encontrando todos os dias, eram tantas novidades que uma contava para a outra que o tempo juntas sempre era pequeno e muita coisa ficava para o dia seguinte.
 
Ana ouvia tudo que Fran contava com muita atenção e quanto mais ouvia mais gostava daquela menina / Saci, e toda vez que ela chegava era abraçada, não como amiga de Lia, mas como se fosse sua própria filha.
 
Com as provas que foram apresentadas, mesmo sem cobrança, pois Fran era muito inteligente e fazia pequenas apresentações, para que fossem se acostumando com seus poderes e habilidades com a fauna e a flora. As dúvidas desapareceram.
 
O Sr. Elias agora já tinha visitado a aldeia, os pais de Fran, não entrou na caverna de Yara, mas chegou a vê-la e teve oportunidade de agradecê-la, enquanto o Sr. Alberto lhe dava alguns cachos de uvas.
 
A profecia do encontro dos Sacis com os Humanos havia se concretizada.
E a família de Lia e a de Fran concordavam que a razão desse encontro era exatamente a compreensão pelos dois lados, de que era possível a convivência pacífica entre eles e ainda que cada um mantivesse o seu estilo de vida, poderiam unir forças e conhecimentos para a preservação de tudo que existia sobre a terra, garantindo assim as novas gerações, a fertilidade, o ar livre de impurezas e a natureza saudável no presente e no futuro.
 
Acertaram que os sacis contariam sobre a amizade aos povos e criaturas da floresta e a família de Lia esparramaria entre os humanos esse encontro de paz e esperança.
Não demorou para perceberem que não era fácil assim.
Com os poucos que conversaram, viram que a única parte que interessava era o tesouro de Yara, concluíram que se continuassem falando, logo teriam suas terras invadidas e o rio destruído por caçadores de tesouro e mercenários de toda espécie.
 
Melhor esperarmos um pouco e procurar maneiras de selar essa amizade em vez de destruí-la. Ir contando somente para pessoas que não vivem da ganância, pessoas que querem essa união.
Quando me contou os detalhes dessa história, eu pensei:
Sair gritando aos quatro ventos uma história assim, certamente teremos um resultado imprevisível, uma maneira é escrever um livro e publicá-lo, sem grandes aparatos, para que chegue até algumas pessoas e que elas esparramem isso, reação positivas ótimo, negativas...
É só um livro.
 
E foi o que fizemos.
 
A PULSEIRA
 
 
Numa nuvem branca, um saci e um humano davam boas gargalhadas contando fatos da boa vida que sempre tiveram. Não foram aqueles infelizes atormentados pelas dores reais e imaginarias que a maioria das pessoas e seres carregam durante a sua passagem pelo mundo dos vivos.
Viveram muito bem, viajaram para lugares interessantes.
Amigos das festas e boas bebidas, agora se divertiam relembrando os dias que caminhavam pela terra.
 
O Curandeiro acorda assustado, um raio cai sobre uma árvore próxima à aldeia e um clarão de fogo sobe mesmo debaixo da chuva que cai torrencialmente.
Era uma mensagem da Natureza.
E ele pensou como podia passar isso para os outros, e como seria possível essa amizade entre dois seres tão diferentes entre si.
Os humanos nem mesmo conseguiam vê-los.
Como poderiam conversar amigavelmente?
 
- O que vi em sonho foi o meu e o espírito de um humano, estávamos comendo e bebendo juntos,
está claro para mim que isso acontecerá.
 
Reunirei todos os sábios conhecidos para decidirmos como e quando será feito.
Mas não foi preciso.
O vento forte da tempestade arrancou folhas, galhos e esparramou muita coisa próxima da aldeia.
E no entendimento dele ali estava o caminho para que essa reunião do humano e do saci acontecesse.
Muitas sementes estavam esparramadas no chão, mas só havia sementes de duas cores.
A resposta do sonho estava ali, ele só precisava pegá-la.
Precisava de um fio especial e duradouro, isso ele sabia quem poderia lhe dar.
Yara não só lhe forneceu o fio de ouro, como se ofereceu como guardiã da pulseira e que descobriria entre os humanos alguém digno de possuí-la.
 
Durante muitos anos, não achou ninguém, mas quando viu Lia pescando com o Sr. Alberto, sentiu que havia algo de especial nela e não demorou muito tempo para ter certeza de que ela seria a ligação e o entendimento entre os sacis e os humanos.
Yara estava certa.
                                                         
                                                                         Dezembro / 2020               
 
       
                                                                                      
 
Derivado do Livro infantil CHIQUINHA, A Sacizinha, nesta sequência Chiquinha agora perto dos doze anos, encontra Liana da mesma idade.
Com uma pulseira que lhe dá a possiblidade de ver as criaturas da floresta, Lia Como todos a chamam, vê Chiquinha, agora chamada de Fran pelos familiares, o que se segue é o início de uma amizade que ultrapassa as barreiras dos dois mundos.
Em pouco tempo os laços de irmandade que as une se tornam tão fortes, que a floresta celebra esse encontro, como o início de um tempo de respeito para com a flora, a fauna e a terra em sua plenitude.
 
 
CHIQUINHA, A Sacizinha
Ano 2000    /
Registro 205.431 / livro 356 folha 91
ISBN 978-85-912072-2-0    
 

 
J B ROMANI
Enviado por J B ROMANI em 14/11/2008
Reeditado em 23/06/2021
Código do texto: T1282732
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