[Moinho das Horas]

Em horas mortas — e quais não são? —

Refugio-me no quarto dos fundos.

Ali, eu estabeleço um diálogo

com os objetos — livros, ferramentas, pincéis,

canetas, cadeira vazia, roupas por passar,

calendário de parede, e até o ventilador de teto —

espio a inércia dos objetos, penso na sua origem,

penso no potencial de movimento

que cada um deles tem se... ah, mas são objetos!

Olho, giro as minhas mãos: que potencial

pode ser maior que o delas — mudar o mundo?

Ah, se não fossem esses meus pés imóveis,

quantas mudanças não fariam estas mãos...

...Vontade que ativa os pés, que transportam

as minhas mãos, que engendram... ah, chega!

Olho as paredes brancas, e torno a pensar:

tantas coisas, em tantas épocas,

e eu aqui, mofando neste quarto...

Não há baratas por aqui,

mas tanta é a força da imaginação,

tão intenso é o meu diálogo,

que acabo por ver uma delas passar,

trôpega, pernalta, coberta de um veneno

que certamente a vai matar

[chego a sentir o cheiro];

olho o giro do ventilador e penso...

— É tarde para ela...

Mas é tarde para mim também

que estou branco, branco do veneno

que certamente haverá de matar —

o veneno da passividade, do tédio,

dessa auto-escavação solitária...

— Sim, é tarde para mim... penso,

é sempre tarde, eu cheguei ontem...

Cerro os olhos, giro a cadeira lentamente,

depois, bebo mais um traguinho da cachaça

macia e suave vinda da minha velha Minas,

dou adeus a qualquer ação, e adormeço pensando:

— É tarde, é bem tarde... a vida já se foi...

E deixo girar o inexorável moinho das horas...

[Penas do Desterro, 10 de novembro de 2008]

caderno 4