MAR

Não sei mais se foi na água, ou em algum cais...

Se foi nesse encontro permanente de água e pedra,

onde argolões de ferro e grossas amarras de corda trançada

contam as histórias das fúrias das ondas...

Ou se foi num mero fim de tarde em luz dourada,

enquanto sentia nos pés molhados a pedra quente

recordando-me os rigores do dia...

Mas foi algo intangível que ocorreu dessa forma,

num qualquer momento comum,

num detalhe inimaginável qualquer

de que só eu sou a história.

Diluí-me no mar. Misturei-me com ele.

Depois disso, a nossa história é conjunta.

Contam-na vozes verde- garrafa,

sobre os fundos de areia junto aos paredões

erguidos por outros pés como os meus

- sempre ansiosos por mais um passo adentrando as águas...

Acrescentam-lhe mistérios e monstros

as vozes escuras das profundidades,

onde os sonhos se desenrolam

e de onde a luz não volta...

Muitas outras vozes falam de raivas e tempestades,

de nós conquistando de volta o que nos foi conquistado,

de vidas chegando ao fim em abismos profanos

e profundidades de mistérios liquefeitos,

como se neles não tivessem começado...

E poucas falam de amor e abastança,

de liberdade e das imensidões convidando a pensar,

do que se aprende, sabendo ouvir.

Mas é a nossa história, sempre, conjunta,

explicando-se e acontecendo nas mínimas coisas.

Nas carcomidas cicatrizes no ferro das âncoras,

como em passageiras esculturas de tempo.

Na espuma luminosa das ondas em movimento

denunciando-se nas noites escuras.

No crepitar chiado dos grãos de areia

quando a água se recolhe para logo regressar.

No sabor a sal da corda que alguém morde

quando faltam mãos...

È sempre a nossa história, sim.

Mesmo aqui em Minas, tão longe dele,

escuto o mar nos poços de silêncio nas madrugadas,

escuto-o na falta das vozes das ondas

ciciando o meu nome em todos os cais.

Será que o mar me escuta a mim ?

Nov 2008

Henrique Mendes
Enviado por Henrique Mendes em 10/11/2008
Código do texto: T1275743
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