Menina da Vida
São os primeiros raios de sol
Que revelam seu corpo estirado,
Sob pedaços de jornais e papéis surrados,
Por entre galhos do jardim da praça.
Corpo que já foi de menina,
Hoje é nem de mulher.
Usado, espancado e lambuzado
Por demônios que lhe violam na noite.
Corpo fedido, objeto podre,
Latrina de vagabundos
Que nele despejam
As mais repugnantes pestes.
Corpo doente, revestido de feridas
Incrustadas, vazantes de pus
Que ressecam na sujeira
Encarnada em seu couro.
Corpo peneirado pelas picadas,
Pútrido pelas pedras que derrete,
Atrofiado pela cola que inala,
Calejado pela violência que lhe cerca.
A inocência nunca lhe visitou,
A infância lhe foi roubada,
De boneca nunca brincou,
Brincaram.
A face nunca maquiará,
Produzida nunca estará,
Desejada nunca será,
E esposa nunca terminará.
Está condenada por toda vida [se é vida]
Pelo crime de ter nascido.
Agora me enoja deitada e manchada
Pelo seu feminino vermelho mensal.
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