Musa Inspiradora
Musa Inspiradora
A Fernando Pessoa
Escrevo porque a vida é sempre mistério
E traz sempre consigo a marca do insondável
Se morro, o tempo já devora o meu sentido
Exatamente para que eu não me repita
E fique preso à solidão da terra que me abraça.
Ontem eu pensava em ser feliz, mas por enquanto...
Felicidade mesmo é abrir os olhos e maravilhar-se,
Mas os olhos são como janelas sem peitoril:
Não há como debruçar-se sem o risco das vertigens.
Apenas olho e ainda me espanto com os escândalos:
Uma criança morta, um corpo atirado ao lixo,
São misérias que se renovam como fomes aviltadas.
Em todo segundo que passa o arco teso da vida
Deixa o ar mais rarefeito e por isso escrevo.
O feitiço de toda palavra está na sua imprecisão
A palavra precisa é a morte de toda poesia.
Desconfio de tudo, suspeito de tudo e sempre
Nunca ter certeza é minha única sabedoria.
Vejo as evidências com olhos de cataratas:
Imprecisas e ofuscantes quando vistas contra a luz.
Não ter as respostas é a inquietação que me incendeia.
Sempre que digo não sei aos que me perguntam
Minha desconfiança pulsa e fico mais forte.
Não saber quase, mas desconfiar de muita coisa
É estar atento para os sustos das surpresas
E o susto é a minha essência de ser poeta.