O ÚLTIMO DIA DE TRABALHO DO PÔR-DO-SOL NO MAR
O ÚLTIMO DIA DE TRABALHO
DO PÔR-DO-SOL NO MAR
(OU DO PENOSO OFÍCIO DE SONHAR)
Havia o mar na sombra do horizonte
havia o pôr-do-sol na água sombria
havia o porto e a encosta do mirante
e os corpos dos amantes na mortalha
da água fria...
Havia as naus no dorso dos destinos
e a brisa que saudava a volta ao cais
com os corais dos cantos peregrinos
das harpas e violinos dos noturnos
vendavais...
Havia como um repousar do mundo
nos profundos jardins das enseadas
havia vasta ausência no mais fundo
das almas insepultas que sonhavam
acordadas...
Havia o céu de estrelas rutilantes
e havia o mar de ninfas reluzentes
e a corrente de espumas flutuantes
das errantes escunas entre luzes
fluorescentes...
Agora onde era o mar há o oceano
o poente sem sonhos naufragados...
Jaz agora no cais em ritmado sono
o pertencido amor dos navegantes
afogados...
Ainda há aves mortas no convés
e há naves ancoradas sem destino
o declínio de auroras dispersadas
pelas marés da saudade em pleno
desatino...
Ficou uma canção de marinheiro
e um canto rústico de pescadores
o pôr-do-sol no doloroso encanto
de renascer, sonhar, depois morrer
sem dores...
A. Estebanez