SOMOS CRIANÇA E ADULTO
Em nós vivem duas pessoas: uma que nasce, cresce, gera e morre e outra que nasce, mas nunca cresce. Essa última é nossa criança, é nosso eu infantil que muitas vezes, infelizmente, com o passar do tempo nós perdemos. Às vezes essa criança desperta e quer brincar, mas o mundo na sua mesquinhez e engano, na sua velhice e desesperança não aceita nem entende a "maneira criança" de um adulto viver. Em muitas ocasiões tive a oportunidade de vivenciar o despertar da minha criança, do meu ser infantil, ocasião na qual a mesma foi imediatamente esmagada pelo mundo velho e ranziza. Nesses momentos de rejeição, nossa tendência natural é interiorizar nossa criança, nossos sentimentos, e é exatamente daí que surgem as nossas frustações mais amargas. A melhor maneira que tenho encontrado de não me frustar é brincar eu mesmo com a criança quando ela desperta dentro de mim. O mundo adulto não merece a dádiva de brincar com ela.
Às vezes se acorda a criança
Desperta, sorrindo e contente
E o sonho da criança alegra a gente
E satura o nosso ser de esperança
E nos traz tantas coisas à lembrança
Mas o mundo limita o seu ambiente e,
De repente
O seu mundo tão bonito se ressente
Não reluz e se retrai prá o seu lugar.
E a criança no seu mundo a sufocar
Sua alegria,
Sente a dor que quando pequena já sentia.
Eu a consolo e enxugo as suas lágrimas,
Inocentes
Dorme criança, em teu berço com os teus presentes
Que te foram generosamente dados
Brinca sozinha com teus brinquedos infantis
Este mundo não é o teu mundo, é só um sonho
Para ti e para mim tão enfadonho,
Tão infeliz.
Aproveita, que para ti, dormir é uma opção
Para mim, uma amarga obrigação
Que eu enfrento, que eu carrego como um fardo.
Ah se eu pudesse! Eu o lançava qual um dardo
E despertava também qual tu despertas.
Eu sorriria e pularia na alegria
Tranformando o meu mundo em fantasia
A dor e a tristeza eu anulava.
Mas eu não posso e, como tu, eu tenho que dormir,
E qual sonâmbulo eu percorro os becos e ruelas deste meu mundo
E só vejo gente cansada, amargurada, oprimida
Pelas mazelas impostas desta vida.
Elas perambulam como em busca do nosso mundo,
Do nosso sonho.
Dorme criança, descansa,
Eu vou seguir aparentemente acordado,
Cansado, e
Como o meu mundo somente me aceita, disfarçado,
Me lembrando de ti a cada instante.
Quando saíres de novo desperta do teu ninho
Não te molestes com o meu mundo, estou pertinho
Procura-me, eu estou aqui neste lugar
Vamos nós dois, só nós dois, sorrir, pular, cantar
Deixa que eles sigam no seu mundo e seus caminhos
Mesquinhos
E nós dois, neste teu mundo pequeno de carinhos
Tão simples, tão puro, tão contente
Brincaremos com a nossa fantasia
Repartiremos só entre nós nossa alegria
Até que o mundo nos descubra felizes e,
De repente
Descarregue em nós seu amargor,
Nos condene e nos transfira a sua dor
E nos proíba de ser crianças novamente.