Sensações - 1, 2, 3

" Só entendo as sensações!"

F. Bacon

1)

As cortinas dançam

a luz perdura no deslize da obscuridade

sem referências na noite

alinho os vidros pelos lábios

que as palavras sejam transparentes

como o ar exterior onde sopram as imagens.

Quando o rumor corpuscular dos lábios, novas letras por onde navegassem sem leme

os olhos na vertigem.

Que as palavras se percam num enigma, nessa denúncia de luz e sombra, espaço habitável das sensações

imensas.

As imagens deslizam pelos vidros

(...)

(dissemos)

na noite.

2)

"Só entendo as sensações", o instante vivido por uma memória mutável: onde regresso - tudo não é necessariamente o mesmo. Talvez nem tenhamos vivido o que lembramos.

Aqui,

num jardim como num bosque, no deserto, os vales e as cidades onde nunca irei, descrevo a exactidão dos momentos como factos vivenciais. Porque é assim? As palavras e as imagens desenham a paisagem de uma felicidade anónima. Nem sei se fui eu que pensei ou imaginei! O importante é o significado, a diáspora dos sentidos, não a informação.

Aqui,

pelas avenidas do Norte, na longitude da noite álgida, o lugar onde evoluem de novo as sensações, as palavras por dizer, as palavras que não sei dizer, escrevo letras possíveis na pele - um dia será o discurso articulado de uma outra viagem pelas avenidas.

3)

Vivemos a noite interpelados por uma luz inerte sob os corredores da memória, habituados à sombra de um esquecimento adicional.

As cortinas filtrando o momento - perplexo, deixo fluir os sentidos pela sala: indecifráveis.