Revolta contra os espelhos

Eu quero quebrar os espelhos…

desfigurar esses olhos tristes,

partir esse rosto estático

que para na minha frente

e não me deixa passar.

Quero apagar da memória essa imagem vazia

e viver em paz com meus próprios pensamentos.

Eu quero quebrar os espelhos da casa inteira,

talvez a vida seja mesmo uma farsa

e a felicidade seja apenas um disfarce,

porque atrás dessa máscara tão firme

chora-se pelos medos mais pueris

e apanha-se das mãos mais pesadas

e suportam-se as dores mais profundas.

Pode até ser que meu amor tenha ido embora,

como pássaro, tenha escapado de minhas mãos;

mas a traição da minha boca foi tanta,

que na noite do meu fracasso

foi por você que eu chamei...

desesperadamente.

E eu quis quebrar os espelhos,

tentando fugir de mim mesma...

esse corpo não me pertence.

Eu quero quebrar todos os espelhos

pra não ter que encarar esse olhar vazio outra vez.

E pisar nos cacos para ver meu sangue escorrer,

e provar que a dor maior não é a do corpo,

mas sim você mesmo... eu mesma, nós todos.

E quando as lágrimas mais doces

não envenenarem o rosto de mais ninguém,

todos aqueles cacos continuarão espalhados pelo chão,

e essa casa será ruína

onde os fantasmas se olharão vaziamente,

perguntando-se entre si:

quem foi que quebrou os espelhos?

Talvez as árvores sejam mesmo almas penadas,

balançando as folhas pedindo socorro.

Mas, de manhã, um canto estridente

me derrubou do alto do monte,

eu desci rolando pelos meus pesadelos

até cair na minha cama outra vez.

O sol fez questão de me acertar um golpe

bem nos olhos,

e quando eu me virei

vi os espelhos quebrados

e uma mão fechando a porta

para não haver mais solução.