Insonia

Que mundo louco.

Nos dias em que custo a dormir, nada a minha volta se digna a surgir.

Tudo me excita, a vida me agita e eu sem dormir.

Quando, por milagre pego no sono, como um Rei em seu trono, no banquete dos sonhos eu como.

E assim se passam anos, com noites áridas de sonhos, desertos sem uma gota de sono e raros momentos de oásis, como um xeique e suas mil damas vorazes.

Eis que, em um belo dia de primavera, após uma longa jornada de horas a fio no deserto dos sonhos, já com o sol que encurrala rebanhos, no meio do céu do meu sono, escuto a vaia dos pássaros, que com o calor se banham, anunciando o meu retorno.

Já em frente ao meu covil, me deparo com tão linda dama, que com um assovio me chama.

Por um instante me pergunto: _estarei eu maluco? Pois ainda estou a caminhar em meu deserto árido, ávido por um gole de sono, por mergulhar nos lagos dos sonhos.

Mas insiste a tão linda dama, perguntando meu nome, me diz como se chama.

Já convencido do fato, olho para o lado e me quedo estupefato.

Será ela um anjo?

Que com sua graça infinita, me guiará entre pedras e montanhas, para fora das entranhas, desse deserto insólito?

Será ela um anjo?

Que me mostrará o caminho do oásis do sono, dos lagos dos sonhos, do meu ninho?

Não pode ser. Nem em meus melhores sonhos, nem como xeique ou pastor de rebanhos, jamais vi figura tão bela e formosa, nem em meus devaneios.

Como pintaria essa figura? Sem que parecesse loucura?

Ela, como um todo, brilha mais que mil Sóis. Um brilho raro, que escurece os faróis, mas mesmo com tal luz a vejo e posso apreciar seus detalhes.

Com olhos verdes me fita, me analisa. Não são olhos comuns, são duas gotas d’água, mas é através desses olhos verdes que sinto o calor de sua alma.

- pois bem, sonho não tem alma, ou tem?

Com lisos e longos cabelos dourados, a emoldurar sua face clara, branca e ruborizada, inflamada. Um sorriso carnudo, carmim. E um perfume cheirando a jasmim.

-se es um sonho, não quero que chegues ao fim.

Em seu pescoço delgado e perfumado, um lindo colar de esmeraldas, a fazer alusão aos seus olhos.

Olhos? Os meus fixos em seu colo, só pode ser o paraíso, com algumas sardas, como se fossem respingos de tinta, caídos do pincel de um grande gênio descuidado, que toque mágico. Ousarei eu a dizer parecer tal afresco um céu claro com uma constelação rara de estrelas escuras. Que loucura.

Mas desse céu só vejo um tanto, pois o resto está coberto por um manto, uma espécie de vestido medieval, transparente tal qual o vual, que mostra o suficiente para que minha louca mente já pense o imoral.

Como lençóis a secar no varal, o vento sopra, colando as vestes ao corpo, mostrando seu contorno escultural. Certamente nem Miguelangelo faria igual.

Seios maravilhosos, nem tão pequenos nem tão volumosos, cada um caberia em uma taça.

Com as mãos na cintura ela faz graça, vira para um lado e para o outro como em uma valsa.

Eu já imagino uma salsa.

Por baixo de suas vestes transparentes, nada mais que seu corpo provocante, deliciosamente estonteante.

Um quadril robusto e liso, desconcertante, faz qualquer um sonhar em ser seu amante, alucinante.

Suas pernas duras, cochas fortes sobre tornozelos torneados, um deles adornado, que terminam em seus pés lindos, como uma obra prima.

Mas sobre tudo uma menina, uma mulher verdadeiramente feminina e isso me alucina.

Quem é esse anjo? Loira, de olhos verde água, pele alva e corpo escultural, o que ela faz em meu quintal?

Novamente ela insiste em perguntar o meu nome, plácida e sorridente.

Eu ali, atônito, estático e incoerente, a imaginar que tudo isso só poderia ser fruto da minha mente, das minhas noites sem sono, desse deserto escaldante.

Não se dando por contente, com alguns poucos passos, ela se coloca a minha frente.

Tremendo feito um doente, eu sofrendo da enfermidade alucinante.

Sinto suas mãos macias a acariciar meu rosto fumegante, na ponta dos pés descalços e delicados, ela aproxima de meu ouvido os seus lábios, e me pergunta novamente, calmamente e suavemente: _como é teu nome meu amante?

Suando frio, palpitante, mas com firmeza e confiante respondo: _sou apenas teu amante.

Com um sorriso rasgado, pegando a minha mão e se pondo ao meu lado me diz:

_Muito prazer, hoje em seu deserto vai chover, no banquete dos sonhos, como um rei, acordado vais comer, depois de se fartar, deitado, a mim abraçado vias adormecer e quando acordares, não mais estarás em tua cama, feliz e realizado, ao meu lado, terás alcançado o nirvana.

Edu Mancini