Teatro da Vida
Às vezes meu mundo
Me parece um grande teatro
De tamboretes a acolchoados
Onde crianças e velhos
Se põem a sentar
Se enfileiram, tumultuam,
Insistem, murmuram,
Brigam com muita augura
Apenas por um lugar.
Lugar sentado é difícil
E então com um sorriso sofrido
No chão se frustram a descansar
Alguns ficam de pé
E eu mesmo sorrio,
Pois um lugar tão imenso
Agora parece pouquinho
Pra tanta gente junta
A se aglomerar!
Tanta gente junta
Pra ver uma peça vulgar!
A peça então tem início,
Lá dentro ainda parece um comício
Com tantas pessoas tentando entrar!
Tem gente querendo passar
Até mesmo pela fechadura,
Por uma fresta tão pequena e tão escura
Olhando quem está dentro
E não quer dar lugar!
Lá dentro,
As pessoas embaixo
Pros camarotes acima
Insistem a mirar
Querer estar lá
Não é de se admirar
De baixo dá pra ver
Tem tão pouca gente pra tanto mar!
Mas os seguranças,
Ah, estes não deixam passar!
Daquele mundo tampouco são parte
Só podem entrar
Sem ser direito sentar
Lhes cabe apenas o papel
Exclusivo de vigiar:
Negar a entrada aos seus
- Dá uma dó vê-los encenar.
De cima há quem vê curioso
Enxerga o calor, observa o alvoroço
Que a gente pobre embaixo
Libera ao se aglomerar.
Não confessam a si,
Mas têm mesmo é inveja
Queriam é no meio da peça
Se permitir e a eles juntar!
Queriam mesmo
É se perder lá embaixo,
E deixar o segurança
Tonto, preocupado a procurar!
A multidão se reveza
Entre o camarim, o palco e a platéia
E no meio da peça
Já não sabe mais qual é o seu lugar
É porque o tempo tem disso:
Com ele passa também o sorriso
E a máscara cai
Ou insiste em ficar.
Tantos são os carnavais,
As peças vistas nos umbrais
Encenadas e as marcas tais
Não nos abandonam, não, nunca mais
Revestem a essência,
Disfarçam a demência
A dor que somos
- Que temos todos nós.
Porque ao fim da peça
Cada qual em sua pressa
Se coloca triste no canto
Em um canto triste a chorar.
Não sou como vocês,
Mas posso fingir também!
Posso fingir, posso interpretar!
Coexistir e só encenar!
A fantasia se confunde
Até com a vontade de não ser
O mocinho vira bandido,
Numa sobrevivência vil tão démodé
A esperança de todos
É um final feliz concretizar
Happy end, Las Vegas!
Todos se põem a sonhar.
Na platéia, reza a fé cega
Que até o fim da peça
Espera transformar
Em poesia e em alegria,
Em toda a beleza do dia,
A dor de toda uma vida
Ver então uma flor no peito
De cada um desbrotar.
A vida é uma tragicomédia
- Nem toda alegria, nem toda Ofélia
A comédia é a pura ironia
E o final feliz?
É só o além-mar!
Toda a platéia
Em alvoroço se espanta
Quando no palco um ator
Cai e não mais levanta
No Teatro da Vida
Todos encenam, interpretam,
Já não mais se desesperam,
Fingem o ser
E incorporam o estar.
Todos querem um amor de verdade,
Do casamento até a maternidade,
De um encontro no café
A uma cama com vista pro mar.
Escondem pra si mesmos as maldades,
Seus encantos, suas falsidades
E tão cegamente
Se postam descrentes a rezar.
Os que tão arduamente
Se esgueiraram a entrar,
Chegam então lentamente,
Mesmo apenas a observar
Que um por um naquele palco
Todos os atores se caem a fadar.
Porque mais dia menos dia
As luzes do palco insistirão em apagar
Então o que foi feito dos dias,
Das nossas vis alegrias,
Das vísceras carcomidas
Que se enganavam a bradar?
As luzes se apagam
E com elas o encanto,
A poesia e a tristeza do dia
A tragicomédia da ilusão
Numa noite em que ninguém
Palmas há de gerar.
Silêncio,
Onde nada há de gerar!
Silêncio!
Palmas não hão de bradar!
Silêncio...
Os corpos estão lentos a sepulcrar.
Silêncio, silêncio!
– De morrer, de matar...
Silêncio.
– Final do Primeiro Ato,
Sem alguém pra amar.
Silêncio...