DESPEDI-ME DOS PÁSSAROS
José Antonio Gonçalves
estou indo ao teu encontro
sem parar por dentro do silêncio
que me vai roendo na alma
ontem pensei em ti no ruído
doce da cidade deserta
e despedi-me lentamente dos pássaros
agora não tenho a certeza
de nada nem do tempo mas cá estou
caminhando nas nuvens em direcção a ti
talvez pudesse regressar à partida
rever os papéis as rotas os rostos
e trocar os desgostos pela alegria
dizem-me que esta viagem não é
inocente é o expiar das flores sofridas
por as ter ignorado no meu jardim
serei interrogado de novo exaurido
já pelas questões de consciência
e pouco terei para esclarecer nesta hora
é por isso que temo prosseguir e tanto
ando como me sento à beira do caminho
no desconhecimento da próxima curva
e vou de olhos fechados todos os dias
sem me lembrar do que fica para trás
voltando ao mesmo amanhã: em silêncio
é meio dia ou meia-noite pela noite fora
protegida fica a biblioteca nas mãos das crianças
- eu já disse que me despedi dos pássaros?
JOSÉ ANTÓNIO GONÇALVES
(inédito.16.03.04)