NAVIO EM CHAMAS

Na linha entre o ir e vir / O barco da vida balbucia,
Âncoras de dor e mistérios / Comandam o leme enlouquecido.
Não pode haver renúncia ao prazer / Mas o barco balbucia...
É preciso que o tempo espere / Os ventos do destino;
O tempo é sempre jovem / Impaciente o coração.
Talvez não haja monstros no canal, mas e se houver?
(MONSTROS NO CANAL: Solange Mingorance)


Descobrir que não há monstros no canal
Reparar na neblina simulando calma e luz
Mas descer aos porões e encontrar ratos
Pequenas criaturas indefesas e nojentas
A fugir ao contato da água lodosa
Pisar excrementos; fétidos vapores aspirar

A peste já provoca vômitos e diarréia
Exaure tripulantes, navio ao léu.
Águas estagnadas em marasmo mortal
Apodrecem o casco encalhado no pântano
E os ratos, quer por hábito, quer por falta de alimento
Roem as entranhas da nave que não podem abandonar.

Aceitar com gratidão o vendaval
A sacudir o barco, impulsioná-lo
A navegar águas mais claras
Ou fazê-lo chocar-se contra as pedras das margens
Expor ao sol as feridas purulentas
E, navio em chamas, expulsar ratos e monstros.
Sem proteção das sombras, exibir casco arrombado
Sonhar com velas brancas, pedir reconstrução.


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