Lembranças do que não vivi *

A alma é ser estranho

Parece que tem vida própria

Parece que nem é a gente

Parece que é outra coisa

A minha alma tem lembranças

Só que lembranças que eu nunca vivi

Já vi um lago onde nunca nadei

Já dancei uma música que nunca ouvi

Já senti no rosto o frescor de uma brisa

Que em toda a vida não senti

Ri de histórias que não aconteceram comigo

Fiquei com saudades de quem não conheci

Era um fim de tarde no interior,

O som inaudito daquelas pessoas

Que riam e contavam aquelas histórias

Do seu cotidiano simples, meiga celebração

Alguém me cita seus nomes,

parecem gente minha

Esses rostos tão bonitos de candura,

De repente eu me junto a eles, dou atenção

Na minha mente há imagem tão clara, tão pura

Caio em mim assim que a música muda

E a narração das lembranças de um amigo cessam.

Volto dos anos cinqüenta aos dois mil

Quadros de um outro tempo noutro Brasil

Eu me lembro do que nunca vivi,

Alma é assim,

Alma é ser estranho,

Parece que tem vida própria

Parece que nem é a gente

Parece que é o outro

Melancolia se mistura à Nostalgia

Que dor boa! Que tristeza feliz!

EDNEY

* Escrevi depois de ter ouvido “Cerejeira Rosa” de Carlos Galhardo recheada com as narrações da infância do meu sogro, que à margem do Rio Parnaíba, ria e festejava, quando juntos seus amigos e familiares festejavam seu cotidiano, em 1950, sem energia elétrica. Era a “radiadora” que trazia o som da outra margem do rio.

Edney Melo
Enviado por Edney Melo em 10/10/2008
Código do texto: T1221443